domingo, 10 de abril de 2011

Reputação a zelar




Reputação a zelar
Edgar Allan Pôla

Depois de duas décadas esperando que Terto finalmente se decidisse por outra profissão, sua mulher deu a sentença:

- Meu filho, só você sabe o quanto eu lhe amo. Você é tudo o que de melhor tenho na vida. Mas é preciso que você mude de profissão. Arranje uma coisa diferente, outra coisa paralela ao seu emprego de marido! Ficar só nessa, não dá!

Por três dias, Terto pensou nas palavras de sua mulher. Depois, decidiu-se:
- Passei toda a minha vida na fuleragem. Compus as mais lindas canções, as mais ternas modinhas, rock pauleira, balada praieira e até tango para Carlos GardeI. Fiz xaxado, xote, frevo e baião. Toquei zabumba, rasguei fole, tomei muita cachaça no mundo. Fiz parcerias com gente decente, do ramo, que tudo sabe de música: Fernando Kalon, o cigano, Nagério, até com Raul da Alcatéia, eu compus! E nada deu certo. O brega foi moda, foi moda o kitch, o tuíste, a jovem guarda, o rale-gale, o iê-iê-iê, agora vou fazer música obscena, fescenina, música de putaria!

E largou-se a compor as mais censuráveis canções. “A cagada da minha prima” era a que de mais inocente havia. Fez arranjos em todos os bons ritmos para umas vinte canções de letras no mais baixo calão, descolou dinheiro para o estúdio, reuniu músicos amigos e mandou ver a gravação que tanto sonhara.

Demo na mão, fitas K7 na outra, Terto batizou por Cabrito o novo cantor que surgira em si, e começou a vender seu repertório através de contatos pessoais.

No rádio, com certeza, sua música não tocaria. Mas motoristas de caminhão e ônibus começaram a levar Brasil a fora música de Cabrito. Adolescentes e mal-saídos das barras da mãe começaram a ver em Cabrito um novo ídolo do cancioneiro potiguar.

Em vaquejadas e forrós, lá estava a fita de Cabrito, mandando ver. Carro totalmente aberto, potente som no porta-malas, paredão montado, e tome a maravilhosa melodia com indecente versejar a ganhar os ares da capital e interior.

Empolgado com o sucesso imediato que sua música estava a fazer, Terto começou a ver com maiores sonhos de profissionalismo o produto de seus projetos.

- Minha mulher vai ver que além de marido, eu sei ter outra profissão na vida, dizia para si mesmo nas horas de maior solidão, a mulher para um lado, cara de quem esperava resultado.

De posse da fita, ele procurou empresários fora do ramo.

- Já que nada que conpus antes deu certo, quem sabe, agora? Perguntava de si para si.

- Não, Tertuliano! Tenha dó e dê ré! Não está vendo que o partido não vai bancar um projeto desses? Desestimulou doutor Mosquito na primeira investida, tirando o PCdoBeco das intenções do obsceno. Acho que você deve procurar Celso da Silveira. Celso gosta dessas coisas! Sugeriu. Afinal, o sol é para todos!

- Música não é a minha praia. Posso até topar porque você é amigo. Diga aí quanto é, que passo o dinheiro. Mas, depois, você tem que garantir advogado para me tirar da cadeia... Propôs Ângelo Desmoulins Tavares, empresário da área das artes plásticas, sem que Tertuliano tenha topado o desafio.

E ninguém aparecia para empresariar o mega-star da música fescenina, da mais desbragada putaria.

Até que um amigo, no Bar do Pedrinho, sugeriu:

- Por que você não procura o Balalaika, Terto? Você não quer uma pessoa do ramo? Talvez Raminho possa lhe ajudar. O pessoal está com idéias novas, lançando jornal, adquirindo bar, quem sabe não dá certo?

No outro dia, cedinho, Cabrito deu um beijo na mulher e saiu decidido:

- Hoje, você vai ver, mulher! Vou voltar para casa com nova profissão!

Raminho já conhecia o repertório cabriteano e, antes mesmo da introdução da conversa, foi taxativo, cortando todas as esperanças do compositor:

- Você está abestalhado, Cabrito? Eu tenho nome zelar!

Não é de se estranhar que, nesse dia, Cabrito tenha tomado todas em Nazaré. Todas em Odete e todas em Nasi, Adoniran sempre lembrando que meladinha não alisa. Passou por Aluísio, tomou outras na mercearia de LaIá, mais outras em Pedrinho, o último trago, não se lembra, foi no Naldo, e ainda querendo ir ao Bar do Coelho.

Bêbado como porca gorda, Tertuliano chega em casa balbuciante para a mulher:

- Severino Ramos da Silva. Severino Ramos da Silva. Severino Ramos da Silva. Severino Ramos da Silva. Grande merda de nome a zelar! Vou continuar como marido mesmo, minha velha. Aqui, eu sim, tenho de garantir reputação!

Nenhum comentário:

Postar um comentário