segunda-feira, 18 de abril de 2011

João Machado

JOÃO MACHADO
Augusto Severo Neto

Calças folgadonas. Camisa, geralmente branca, também folgadona. Por fora das calças e chegando quase até os joelhos, para esconder uma hidrocele que ele teimava em não operar, mas que terminou operando, "no frigir dos ovos". Aí, a camisa encurtou, mas não tanto. O hábito e até a saudade, sim, porque a gente acaba sentindo saudades de tudo.

Gordo, calvo, cabeça ovóide. Voz profunda de barítono russo cantando "Olhos negros". Doidinho por futebol. Foi presidente quase perpétuo da Federação Norte-rio-grandense de Desportos. Presidente perpétuo do Conselho Deliberativo do Sport Club de Natal, lá na rua Chile, dando para o Potengi, com suas ioles e suas regatas.

Jornalista e locutor esportivo dos bons. Chegado, até demais, a uma cervejinha gelada, que sabia beber, quando resolvia, de um jeito só dele: colava a boca no gargalo e secava a garrafa de um fôlego, feito lobo matando a sede.

De família tradicional rica, João Machado viveu na Inglaterra e fez parte de seus estudos em Oxford. Isso não afetou em nada a sua nordestinidade.

Desligadão. Uma vez possuiu um carro Henry Junior, que a gente chamava de frango assado e que ele se limitava a botar gasolina. Nada mais. Óleo que é bom, nunca. Lavagem? "Para que, se vai sujar de novo?". Calibragem de pneus? "Quando eu comprei ele já estava calibrado". Um dia, o frango assado deu um prego mais sério e João o deixou na rua. O Detran recolheu e mandou avisar a João, para ir buscá-lo. João disse que não ia, que não queria mais o carro, que ele não prestava mais. E não foi.

Querido dos companheiros de redação e de federação, mesmo daqueles com os quais, ele, por bronca ou gozação, tomava assinatura. Querido de Natal inteira que adorava ouvir seus programas, suas tiradas, suas irreverências. Tudo sempre inteligente e de humor.
Um dia o coração de João Machado fez sujeira com ele. João foi levado, às pressas, para a UTI. Natal ficou tensa e triste, acompanhando a doença de João. Depois ele morreu. Natal ficou mais pobre.

In de Líricos e de Loucos, Augusto Severo Neto.
Editora Clima, Natal - 1980



João Cláudio de Vasconcelos Machado
In 400 Nomes de Natal, Prefeitura Muncipal do Natal, 2000


Um dos nomes mais po­pulares da era do rádio natalense, com seu programa esportivo "O Corruchiado", João Machado aliava a essa atividade empregos burocráticos e uma forte inclinação para a boemia. Pertencia àquela classe de homens para quem a noi­te sempre reservava a parte mais instigante da vida. Por isso, quase sempre marcava presença nas rodas boêmias da Confeitaria Delícia, do Cisne Bar ou da Tenda do Cigano, junto com a confraria de iguais, en­tre os quais se incluíam Albimar Marinho, Newton Navarro, Liliu, Zé Herôncio, Berilo Wanderley, Zé Areia e, eventu­almente, o historiador Câmara Cascudo, entre outros.

De família tradicional e rica, pode viver certo tempo na Inglaterra, estudando na prestigiosa universi­dade de Oxford, onde obteve o diplo­ma de Chartered Accountant - Pe­rito em Contabilidade. Mas aí já al­ternava estudos e boemia, o que o levou a viver em "estudos" itine­rantemente pela França, Itália, Alemanha e outras nações do Velho Continente. E justificava: "Estudar para mim era conhecer gentes e terras diferentes ".

Em 1935, foi estudar Direito no Rio de Janeiro. Com o aprendizado de línguas favorecido pelos tempos de Europa, não tardou a conseguir uma colocação de relações públicas no instituto Brasileiro do Café. Cansado da vida nômade que levava até então, João Machado transfe­riu-se para Natal, vindo trabalhar na seção regional do Instituto do Café, e, depois, na Superintendência de Rendas Estaduais. Nessa época, despontou sua vocação para o jor­nalismo e o rádio. Assinou uma co­luna diária na "Tribuna do Norte" durante anos e manteve programas de esportes nas rádios Cabugi e Nor­deste. Foi durante 13 anos presiden­te da Federação Norte-rio-grandense de Desportos e presidente perpétuo do Conselho Deliberativo do Sport Clube de Natal, na rua Chile. Augusto Severo Neto comenta que João Machado era "querido de Natal inteira, que adorava ouvir seus programas, suas tiradas, suas irreuerências. Tudo sempre inteligente e de humor".
Diógenes da Cunha Lima, citando Sanderson Negreiros, no livro Bíografia de uma Cidade, sublinha o seu desapego às coisas materiais. "Nun­ca se incomodou com o fabuloso patrimônio (que herdou). Levaram-no. Desapareceu. João nunca se incomodou com isso.

Nelson Patriota

FONTES: SEVERO Neto, Augusto. De Líricos e de Loucos, Editora Clima, Natal, 1980. III SOBREIRA, Francisco. A Venda Retirada, pags. 32 e 33, Editora Universitária da UFRI , Natal, 1999. lI! GARCIA, José Alexandre. Acontecências e Tipos da Confeitaria Delicia.2ª Edi. Editora Clima, Natal, 1987.III LIMA, Diógenes da Cunha Natal, Biografia de uma Cidade, Editora Lídador, Rio, 1999. lI! COSI'A, Gutenberg. Natal - Personagens & Populares,Edições Sebo da Praça, Col. Djalrna Maranhâo, vol. 2. Natal, 1999.


Um Texto de João Machado 

Sylvio Piza PedrozaTribuna de João MachadoTribuna do Norte - 25.10.64


Escreveu, não leu, bate o velho Sylvio por aqui, um beijo em dona Branca, um abraço nos amigos, que são todo mundo, correligionários e adversários de política, idem idem de todas as coisas, exceto dos esportes, onde não existem nem uns nem outros, não tem desportista que se preze que não admire e proclame o espírito do filho de seu Fernando, de saudosa memória.

Agora mesmo está entre nós o velho Sylvio, mais jovem do que nunca, mais esportivo do que nunca, mais daquele mesmo jeitão dele do que nunca, mais antropófago do que nunca, tinha graça não ser assim mesmo, quando ele foi governador jamais perdeu a “esportiva”, toda vida ficou do mesmo jeito, não havia de ser agora que ele ia ser besta ou metido a besta, andar emproado, botando banca e metendo pose, feito certos minhocas que andam por aí querendo pisar a gente do alto das tamancas deles, sem Ter nem ao menos o que o periquito roa...

Se encontre com seu Sylvio em qualquer parte, claro, que avec Humberto Nesi dum lado – Alvamar parece que tomou chá de sumiço danado – e verifique com seus próprios olhos que a terra há de comer, se tribuna de João Machado tá mentindo nem exagerando nada, se não está ali vivinho da silva o mesmo tenista e fuleríssimo jogador de futebol de salão que eram o prefeito de Natal e o governador do Rio Grande do Norte, nos idos de quarenta e muitos para cinqüenta e poucos.

Pois é a esse homem do esporte que a Associação dos Cronistas Esportivos vai entregar hoje, em solenidade simples como os homens do esporte gostam, entrega a domicílio, Getúlio Vargas, 750, a mais alta comenda que o Rio Grande do Norte tem para dar, no setor, que é a Medalha do Mérito Esportivo. E já vai tarde, não resta a menor dúvida. Mas demonstração de reconhecimento e gratidão não cai e exercício findo. E tá escrito lá na bíblia, que é o buquê dos buquês, que os últimos serão sempre os primeiros, principalmente quando são gabaritados que nem Sylvio.

Não tem nada mais chato do que o tal mecanismo de repetição em conversa, mesmo quando é na base do corruchiado como a da gente. Até anedota boa de português e papagaio e outras coisas mais gostosas perdem a graça repetidas, quanto mais relações intermináveis de feitos e realizações dum fulano qualquer. Quem é que não sabe o que mestre Pedroza foi para, e falo pelo, esporte do Rio Grande do Norte.
Tribuna de João Machado não vai perder tempo nem tomar precioso tempo de ninguém com um catatal do tamanho da semana da asa sobre o ativo silviano no balanço esportivo cá da terra, aqui todo mundo conhece todo mundo conhece todo mundo, quem não foi compadre ainda, é ou vai ser daqui a pouco, bastaria o ginásio que tem o nome dele para a imortalidade. Quem quiser fazer hora de saudade que fique se lembrando do cimentão da quadra da “Pracinha”, no moderno, ou na quadra do Tiro de guerra 18, em frente ao Grupo do Professor Luís Soares, no mais antigo.

Mas não se esqueça, jamé de la vie, da mudança, do desenvolvimento, do surto de progresso dos esportes amadores , basquete, voleibol e futebol de salão, a partir da inauguração do primeiro ginásio de vergonha que a cidade conheceu, e que recebeu de Sylvio Piza Pedroza. Ultimamente, Natal não é nenhum rabo de cavalo pra só crescer pra baixo, o velho palácio da Seridó está ½ safado, Maranhão fez outro palácio mais paidégua, mas dez anos de bons serviços prestados asseguram a estabilidade funcional e ele vai continuando, impávido e sereno, quem já foi rei não deixa nunca de ter a sua majestade.

O corre-corre da ampulheta do tempo é forte, como já dizia a madre superiora. Menos para o construtor do ginásio do Instituto, que em dez anos está muito mais acabado do que ele próprio em quase meio século de “savir vivre” pra ninguém botar defeito. Pra Sylvio, desligaram o velocímetro, o tempo não tá correndo, a ampulheta-nem-nem, dá até vontade da gente pedir a “receita”, só sendo “coisa feita”, vai ver que é...

Poucas medalhas do mérito esportivo estarão com melhor dono. E muitos poucos a terão recebido com tanto amor, tanto carinho e tanta noblesse como esse papa-jerimum internacional a vai receber logo mais, qual atleta olímpico recebia aquele galho de mato consagrador nada valia pelo valor que tinha, mas tudo valia pelo que representava. É que Sylvio sempre soube cultivar a filosofia magnífica de tudo dar sem nada querer, dentro do melhor modelo greco-romano da alma sã em corpo são, sem nunca arrefecer o ideal olímpico de fer-plei, sempre competindo com lisura, dignidade e esportividade. Muita esportividade...

 João Machado, o sexto da esquerda para a direita

Um comentário:

  1. Sou neto do João Machado.
    Por mais que não o tenha conhecido tenho muito orgulho dessa pessoa.

    Um grande abraço do neto Fernando Cesar Machado Junior.

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