Foto: Humberto Sales
EVENTO
UM SHOW ‘PORNOGRÁFICO’, MENINAS INSATISFEITAS NUMA NOITE ATÍPICA
DE DIVERSÃO: ASSIM FOI A APRESENTAÇÃO DO IRREVERENTE CABRITO NO SENZALA
MEMÓRIAS DE MINHAS PUTAS TRISTES
NATAL, DOMINGO, 24 DE ABRIL DE 2011 / NOVO JORNAL / 11
Cultura
A parceria entre o produtor cultural Nelson Rebouças e o personagem Cabrito não tinha comoter outro cenário senão as famosas casas de amores urgentes. O show de quarta-feira no Senzala, por exemplo, marcou coincidentemente o nono ano da primeira vez em que a dupla pisou, profissionalmente, o chão do espaço.
Em 20 de abril de 2002, Nelson lançava o livro ’69 versos fesceninos’ e Cabrito acompanhava o parceiro ao violão interpretando os poemas. Dali, o músico e o poeta partiram para Mossoró e João Pessoa. Na capital do Oeste potiguar, o lançamento ocorreu no cabaré do Gabriel e, por conta de uma gafe gigantesca, os dois quase voltam para casa sem dinheiro.
Cabrito lembra que no dia do evento surgiu não se sabe de onde um carro de som anunciando que, à noite, no cabaré do Gabriel, Nelson Rebouças lançaria o tal livro de poemas eróticos. O convite ecoava pelas ruas, igrejas e casas de família.
Como o dono do beréu já vinha sendo perseguido pela Justiça por agenciamento de mulheres, o que exigia ainda mais discrição da coisa, Gabriel fi cou puto e cancelou o lançamento. Cabrito acredita que Nelson foi quem contratou o carro de som, mas o produtor nega e responsabiliza o jornalista mossoroense Cid Augusto, que acompanhou o lançamento da obra.
“Tenho certeza que foi ele, até porque quando Gabriel se recusou a pagar nosso cachê, Cid Augusto foi quem bancou”, recorda Rebouças, rindo da situação.
As aventuras da dupla pelos cabarés ainda teria a capital paraibana como destino. Na Toca do Índio, Nelson e o amigo Cid Augusto chegaram dois dias antes do evento para conhecer o local. Conheceram tanto que gostaram e, embora estivessem num apartamento próximo, foi na toca do Índio que fi caram até a hora do show.
Quando Cabrito chegou, a surpresa. “Nelson veio me dizer que tinha gastado todo o dinheiro dos cachês naqueles dois dias e não tinha como me pagar mais. Eu não pude fazer nada. Ele colocou as putas para vender os livros, as meninas venderam mais de 40, mas na hora de receber o dinheiro era tanta cana e ficou tão amigo das putas que deixou a grana com elas”, conta o músico que também não esquece de outro fato curioso da viagem.
“Fiquei impressionado porque nesse cabaré tinha uma biblioteca para que as raparigas não ficassem com a cabeça vazia. Nelson até uns exemplares do livro dele”, revela.
Amy Trajano é um sujeito discreto, baixo, calvo (cabelo só nas laterais) e de bigode grosso. Natalense, ex-professor de química e empresário, tem 53 anos de idade.
Abriu a Senzala Casa Show em 1996 depois de ‘quebrar’ no governo Collor, quando tocava uma loja de eletrodomésticos que mantinha uma matriz em Natal e duas fi liais em Maceió e Aracaju. Tentou o ramo imobiliário, mas lembra que quando o Bandern foi extinto e na mesma época o Banco do Brasil criou o Plano de Demissão Voluntária para os funcionários, a maioria dos ‘sem emprego’ também migrou para a área de imóveis. “O mercado inchou e quebrei de novo”, conta.
Amy aceitou conversar com o NOVO JORNAL antes do show do Cabrito, mas lembrou que as respostas iriam obedecer ao limite dele. O dono do Senzala respondeu o que quis e pediu para não tocar em assuntos delicados, como valores e o custo de manutenção da casa. Duas vezes, pediu atenção ao repórter com o que seria publicado.
Lembrou que foi preso duas vezes, em 2001 e 2005, sob a acusação de cárcere privado. Na época, Amy tinha uma pousada e algumas das meninas que freqüentavam a casa se hospedavam lá. “Fui preso por causa de matérias na imprensa, mas não existe vínculo das garotas com a casa”, disse.
Durante a entrevista, numa saleta aberta com sofá de três lugares e uma TV de plasma que transmitia o jogo entre Flamengo e Horizonte, pela Copa do Brasil, Amy foi interrompido quatro vezes.
Na primeira por um garçom que lhe pediu um cigarro, noutra por um cliente que lhe presenteou com uma garrafa de uma cachaça envelhecida e outras duas vezes por garotas que haviam acabado de chegar a casa. Foram cumprimentá- lo. Uma delas ganhou um selinho na boca, se despediu e foi sentar numa das mesas.
O empresário aproveitou a entrevista para tentar desmistifi car a imagem do Senzala junto à sociedade. Ele nega a pecha de cabaré que a casa recebe do lado de fora. Mostra uma autorização do Sindicato dos Artistas do Rio Grande do Norte (Sated), que reconhece espaço como uma casa de shows.
É cuidadoso com as palavras. De uma frase para outra demora de três a cinco segundos para responder em meio a uma tragada de cigarro. “O Senzala é um bar e restaurante com realizações de shows reconhecidos pelo Sated e opções de sala de snookers, xadrez entre outros entretenimentos”, diz antes de frisar à reportagem que, ao contrário do que algumas pessoas imaginam, não há quartos na casa para receberem os casais que se formam na ‘praça de alimentação’ do Senzala. “Só eu moro aqui, não existe esse negócio de quarto".
O Senzala não é um cabaré.
As pessoas se conhecem, marcam e saem. Quem vêm aqui é por livre e espontânea vontade. O Senzala é um ponto de encontro como qualquer praça de alimentação de um shopping”, ressalta.
A Senzala Casa Show funciona de segunda-feira a sábado, sempre de 21h às 4 horas da manhã, em Capim Macio. Os turistas nacionais e internacionais de negócio são o público alvo da casa. A entrada, por pessoa, custa R$ 30. O acesso é livre para homens e mulheres acima dos 18 anos de idade.
NA CASA DO amor real, as meninas não gostam de putaria. Tristes, como as putas das memórias do escritor colombiano Gabriel García Marques, as garotas que freqüentam a Senzala Casa Show, em Capim Macio, não agüentaram três músicas do repertório pornográfi co de Cabrito, personagem criado em 1986 pelo compositor Tertuliano Ayres que se autointitula ‘o bardo da boca suja de Natal’.
A debandada do salão interno da casa, onde há um pequeno palco montado, ocorreu durante o show “Enforque se quiser, mas eu vou para a Senzala”, quartafeira passada, para um público de 28 pagantes mais alguns convidados. Contando as meninas da casa e os clientes que costumam frequentar o local a Senzala recebeu, em média, 70 pessoas na hora do show aquela noite.
Esse é o segundo show que Cabrito faz numa casa de amores urgentes. No ano passado, a apresentação ocorreu no Vero´s bar, no San Vale, quando 250 pessoas pagaram R$ 10 para entrar. Uma das diferenças entre as duas apresentações foi o preço. Para entrar no Senzala, o cliente paga R$ 30.
Acusado de machista pelo movimento feminista potiguar, antes de cantar o primeiro palavrão em público Cabrito revelou ao NOVO JORNAL que só se preocupa com uma possível reação violenta da plateia. “Fico com medo que algumas pessoas não entendam que é uma brincadeira e partam para a violência. Tem gente que acha que é um trabalho sério, mas o que eu faço é fuleragem mesmo”, diz.
Na Senzala, pelo menos, o bardo saiu ileso. As reações do público se dividiram por gênero: enquanto os homens riam, cantavam e devolviam os impropérios para o cantor, as meninas que antes do show aguardavam a chegada dos clientes no pátio externo acharam um horror o que ouviam. Logo após o primeiro verso ‘Menina, pegue aqui no meu cacete...’, no fundo do salão, uma bela jovem pegou foi a bolsa, fechou a cara e desabafou para si mesma: ‘isso aqui não é pra mim, não!’.
As meninas foram saindo aos poucos. A exceção fi cou por conta da namorada de um artista que se apresentou no intervalo e de duas amigas que chegaram com o show rolando e estavam ali para conhecer o músico. Do sexo feminino, quem entrava ia direto ao banheiro e voltava sem direito a uma parada.
Por outro lado, a rapaziada absorveu o clima de cabaré. Nem juiz de futebol foi tão xingado durante um jogo como Cabrito no show. Corno, fela da puta, raparigueiro... até o dono do estabelecimento, Amy Trajano, se empolgou e, por trás da pilastra soltou uma trovinha:
‘Cabrito, tu não tem
pau, tem priquito!’.
Numa das passagens para o banheiro, o repórter ainda abordou uma das meninas para saber o que ela tinha achado do show. O diálogo foi curto e grosso:
- Você quer saber mesmo?
- Quero.
- Não queira, não...
E foi embora sem ouvir Cabrito cantar o que, no fundo, atrai no Senzala: “Eu quero é gozar”.
Foto: Humberto Sales
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