domingo, 31 de janeiro de 2010

BALDO

Eduardo Alexandre

Alinhar à esquerda

ENCRUZILHADA

                                                 
Cajueiro
Baldo, Rio das Lavadeiras, Oitizeiro
Tissuru
Rio de Beber Água
Rio da Bica

Esses caminhos
Trilhas da natureza e pés potiguaras
Prancha de Polidrelli
A oeste levava a Guarapes
Cemitério
Lazareto da Piedade
Refoles

A norte, à Fortaleza dos Reis
A leste, aos morros de Solidão
Tirol
A sul, aos caminhos da Baia
da Traição.


sábado, 30 de janeiro de 2010

A Rua Nova

Avenida Rio Branco

Jeanne Nesi

A atual Avenida Rio Branco era conhecida no século XIX, como a Rua Nova. A referida avenida corta todo bairro da Cidade Alta, no trecho compreendido entre o Baldo e a Ribeira.

O topônimo rua Nova apareceu pela primeira vez, em 12 de novembro de 1822, em um registro de concessão de terras, pelo Senado da Câmara do Natal, ao comerciante Johan Christian Voigt. O beneficiário requereu terreno "para duas casas, na rua da Palha ... no fundo destas, na rua Nova; outras duas para o armazém ':

Ao longo da década de vinte do século XIX, apareceram outros dez registros de concessões de terras naquele antigo logradouro público. Em 28 de outubro de 1826, Antônio José de Souza Caldas requeria terras "na rua Nova, junto ao curral do açougue', o que indicava a existência de um local de comercialização de carnes.

O último registro existente de concessão de terras na antiga rua Nova, data de 8 de março de 1828, cujo beneficiário foi Antônio José de Matos.

Até 1845, a antiga rua Nova servia de limite leste da Cidade, com suas casas ocupando apenas o lado voltado para o nascente. A partir dali existia um espesso matagal. Naquela rua existiu a praça do Peixe, local onde posteriormente foi construido o Mercado Público da Cidade Alta. No século XIX, erguia-se naquele local, hoje ocupado pela agência Centro do Banco Brasil, a forca destinada à aplicação da pena de morte.

O decreto municipal, de 13 de fevereiro de 1888, substituiu o antigo topônimo para Visconde do Rio Branco, homenageando o eminente estadista José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco.

José da Silva Paranhos, nasceu na cidade de Salvador BA, em 1819.

Ingressou na Academia Real de Marinha do Rio de Janeiro, em 1835. Após concluir o curso, foi nomeado Guarda-Marinha, aos 22 anos.

Em 1843, passou ao posto de 2º Tenente, depois de cursar a Escola Militar do Rio de Janeiro por um período de dois anos. Foi professor da Escola de Marinha, catedrático de várias disciplinas na Escola Militar, diretor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Promulgou reformas no ensino primário.

José Maria da Silva Paranhos foi jornalista, atuando como redator do jornal "Novo Tempo". Político e militar, foi membro da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, secretário do Marquês do Paraná em missões diplomáticas, no Uruguai. Foi também Ministro da Marinha, do Estrangeiro e da Fazenda. Também promulgou a Reforma Judiciária, ampliou a concessão de habeas-corpus, apresentou a Lei do Ventre Livre e organizou o primeiro recenseamento do Império.

O Visconde do Rio Branco foi também Grão-Mestre da Maçonaria. Faleceu em 1880, na cidade do Rio de Janeiro.

O povoamento da avenida Rio Branco foi efetivamente iniciado a partir de 1845,. quando o presidente Casimiro José de orais Sarmento mandou construir a Casa d'Aula e destruir o matagal que impedia a edificação de casas do lado oriental da referida rua.

Na 2ª metade do século XIX, sob influência da Missão Cultural Francesa e da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, a casa urbana adquiriu um novo tipo de implantação. Passou a ser construída com um recuo em relação aos limites da rua, e afastada das casas vizinhas. Exibia jardins frontal e laterais.

A avenida Rio Branco possuiu um belo exemplar de arquitetura daquele tempo: era o palacete de João Freire, localizado na esquina com a rua João Pessoa, que resistiu até há bem pouco tempo, apesar de já se apresentar muito descaracterizado o belo casarão, construído com um porão alto, tinha o seu acesso valorizado por Uma escadaria. Ficava o mesmo isolado do exterior, por um vistoso gradil de ferro rendilhado.

O Curral do Açougue, a praça do Peixe e as quitandas espalhadas pela antiga rua Nova, indicavam a vocação comercial daquele logradouro público.

Em 1860, na gestão do presidente José Bento da Cunha Figueiredo Júnior, foi iniciada a construção do Mercado Público da Cidade Alta, localizado na atual avenida Rio Branco, no mesmo local anteriormente ocupado pela praça do Peixe. Devido à escassez de recursos, o prédio demorou 32 anos para ser erguido. Foi concluído e inaugurado, no dia 7 de fevereiro de 1892, durante o regime republicano. O local onde funcionou o referido mercado, cor responde ao mesmo hoje ocupado pela agência Centro do Banco do Brasil.

Nas proximidades da praça do Mercado existia uma grande gameleira, conhecida como uma das tradicionais árvores da Cidade. No dia 9 de julho de 1899, ela amanheceu serrada pelo tronco, não tendo sido possível apurar o nome do autor do ato de vandalismo.

Antes da inauguração do Mercado Público, a Câmara alugava casas nos bairros da Ribeira e da Cidade Alta, para servirem de quitandas. Na esquina das atuais João Pessoa e Rio Branco existia uma quitanda muito freqüentada.

O prédio do mercado teve uma existência efêmera, pois apenas 9 anos depois de sua inauguração, ele já estava em ruínas .. .5ofreu então uma restauração, sendo reinaugurado, em 24 de novembro de 1901.

Na gestão do prefeito Gentil Ferreira de Souza, o velho mercado foi demolido, sendo construído um outro prédio, mais amplo, no mesmo local. A população de Natal, que ainda não contava com os modernos recursos da "era da máquina", no campo da conservação de alimentos, era conduzida a adquirir diariamente os gêneros alimentícios.

O Mercado Público tornou-se então um ponto de encontro, um local onde eram divulgados os acontecimentos da Cidade, em primeira mão ... Ali comentavam­se os assuntos mais diversos, políticos, sociais e, até mesmo, "os ridículos enredos provincianos'.

O mercado da Cidade Alta foi destruído por um incêndio, e nunca mais ali foi construído um novo mercado. Todavia, aquela área da avenida Rio Branco nunca perdeu a sua vocação primitiva. Até hoje os vendedores ambulantes insistem em expor à venda gêneros alimentícios e artigos dos mais diversos, em suas calçadas.

A antiga rua Nova era também cenário de apresentações teatrais de grupos amadores. Em 6 de maio de 1900, a Sociedade Dramática Segundo Wanderley encenou ali, ao ar livre, o drama "Gaspar, o Serralheiro".

Existe ainda naquela avenida um significativo prédio, de inspiração neoclássica, construído nos primeiros anos do século XX. O referido prédio já serviu de quartel, depois funcionando o Liceu Industrial durante mais de 50 anos, de 1914 à 1967. Já com a denominação de Escola Industrial, o estabelecimento escolar passou a ocupar um novo prédio, na avenida Salgado Filho.

O prédio do antigo Liceu Industrial foi posteriormente incorporado ao patrimônio da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente algumas dependências do velho prédio da avenida Rio Branco acham-se ocupadas pela FEB e pelo CRUTAC.

Em 22 de julho de 1906, ocorreu a inauguração de um novo prédio na avenida Rio Branco. No local da antiga Casa d'Aula, surgia o Natal Clube, a mais iimportante sociedade recreativa da época.

Tratava-se de um lindo chalezinho, de concepção romântica, cuja cobertura era feita em duas águas, arrematada por vistoso lambrequin de madeira. No seu lugar foi posteriormente construído o Banco Nacional, prédio hoje ocupado por uma loja de confecções. No Natal Clube foi instalada a primeira árvore de natal da Cidade, em 1909. Ali também ocorreu o primeiro baile à fantasia, em 1911.

O prolongamento da avenida Rio Branco, no trecho entre a rua Apodi e o Baldo, foi iniciativa do Presidente da Intendência, Romualdo Galvão, cuja inauguração ocorreu em 20 de março de 1916.

Aos 9 de fevereiro de 1935, o prefeito Miguel Bilro cumprindo um plano antigo, prolongou a avenida Rio Branco até a Ribeira, através dos terrenos da Vila Barreto propriedade do industrial Juvino Barreto. Surgia assim a segunda via de acesso entre a Cidade Alta e a Ribeira facilitando o tráfego entre aqueles dois importantes bairros de Natal.

A Revolta dos Cupinchais

Aroldo Martins



Espíritos mamaés o assustaram em sonhos. Há rumores também entre os avoengos anciãos da oca. Iniguassu, pajé maior - o Rede Grande - mesmo destemido, pressente o infortúnio próximo do seu povo da floresta no dia em que os reinóis ultrapassarem Acejutibiró-Baia da Traição.

Diogo Dias reúne um terço de mamelucos e alugados, homens capitães do mato, experimentados na preação de índios e assim parte da capitania de Pemambuco em excursão de caçada aos homens e mulheres vermelhos do além ­Paraíba, os potiguara.

Nem nunca houve cunhatã tão bela e preciosa. Tez do bronze do barro cru, perfuma-se no banho do pequeno lago doce onde flutua, escultural silva desejada pela própria mãe - a natureza. Mas o canto inebriante dos pássaros e o estonteante grazinar dos insetos não a deixam perceber estranhos movimentos da mataria. Os invasores manietam-na. A mais perfeita moça índia, filha dileta de Iniguassu desaparece. A partir desse dia, o pequeno fio d'água será chamado de Tissuru - o rio do grande arrepio.

É noite pesarosa de choro e gemido. As muitas ocaras ao longo do Potengi estão reunidas em dança de guerra. Os grandes tuxauas são irmãos em todas as malocas separadas. O maior, Iniguassu, vulto gigante frente a fogueira, conclama os mais valentes a praticarem ferrenha vingança ao ousado reinol e seu bando.

Baraúnas brunem bordunas. Os painazes afiam as azagaias e zarabatanas. As lanças dos Pêgas e dos Paiatis são encruadas num fogo lento de muitas cinzas. Os guerreiros estão na ultima dança e no toque das puítas esbravejam em urros suas orações de despedida.

Absorto, o dono de engenho Diogo Dias comemora silencioso o seu feito. Agora tem mais escravos índios para trabalharem nos grandes partidos de cana. Mas seu feitiço e xodó maior é pela selvagem a quem os outros chamam Manacá, O truculento português deseja-a alucinadamente.

Nem bem é clara a manhã quando os vermelhos potiguares atacaram. Todos os moradores são trucidados. O senhor de Tracunhaém e toda sua família são chacinados a golpe de clava de jucá, os miolos no chão, bestunto mole misturado ao massapé.

Diogo Dias pagou caro a ousadia. A Índia Manacá, filha de Iniguassu, regressa com os seus para as margens do Potengi, onde a formosa e inocente cunhatã voltará a brincar com seus xerimbabos. E os mais velhos ao redor das fogueiras contarão suas porandubas.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O diabo na Guerra Holandesa

Manoel Onofre Júnior

e não achando naqueles corpos parte que de novo pudessem atormentar, os foram cortando e dividindo por todas as juntas, até que neste martírio deram as almas ao seu Criador ... Horríveis à sua vista deixou a crueldade aqueles corpos, tanto que nem ainda tinham forma de troncos: a muitos abriram, para lhes tirarem as entranhas, depois de lhes cortarem as cabeças, as pernas e os braços; às cabeças tiraram as partes que lhes dão a forma, como olhos, língua, nariz e orelhas; aos braços tiravam as mãos: às mãos, os dedos" ("Castrioto Lusitano").


No tempo da dominação holandesa vivia na cidade do Natal um judeu-alemão de nome Jacob Rabi. Morando nas proximidades do castelo de Keulen (Fortaleza dos Reis Magos), conseguira a estima dos Tapuias. Sobre estes mantinha grande domínio. Ele era casado com uma índia, e daí talvez a razão maior de seu prestígio. Rico, Jacob Rabi - de uma riqueza adquirida à custa de morticínios e rapinagens, como diz Rocha Pombo. Inteligente: "Suas notas registrando a vida íntima dos Janduís são depoimento precioso para a etnografia dessa tribo e o grande Marcgrave aproveitou-as num trabalho. Sabia desculpar-se e defender-se com eloquência, culpando sempre os seus bravios pupilos cariris" (Câmara Cascudo - "História do Rio Grande do Norte" - 1955, pag. 85) (1). É o mais execrável mau-caráter da história norte-rio-grandense. Homem desta espécie não poderia ter outro fim: foi assassinado.

MASSACRE DE CUNHAÚ
Cunhaú, engenho de açúcar afamado, era um dos principais pontos da capitania. Os outros: Natal, a capital, e Ferreiro Torto, engenho pras bandas da atual Macalba. No mais só o desertão sem fim.

Depois da saída de Maurício de Nassau recomeçou a luta pela expulsão dos holandeses. Não só no Recife, mas em outros lugares, como Natal e Cunhaú, o sentimento de nativismo despertava de novo. Havia, também, motivos de natureza econômica.

Então, a ordem do diretor Paul de Unge (que tinha o governo de toda a província da Paraíba) era prender ou matar todos quantos se manifestassem favoráveis ao retorno à colonização portuguesa.

Em Natal muita gente foi recolhida ao castelo de Keulen, por causa disto. Em Cunhaú sucedeu coisa pior. Houve ali a matança de setenta colonos nas circunstâncias mais horrorosas (2). E é quando surge Jacob Rabi.

NA HORA DA ELEVAÇÃO, A MATANÇA
Desfrutando, como já se viu, de prestígio entre a indiada, Rabi era "o mais temível cabo de guerra dos holandeses", e sabia botar seus selvagens a serviço do invasor.

Certa vez, obedecendo a ordens do Recife, partiu para Cunhaú, com grande número de índios, a fim de cumprir mais uma missão - talvez a mais hedionda de todas. Lá chegando, ordenou aos habitantes do lugar que se reunissem na igreja para ouvir determinações, que ele vinha especialmente transmitir. Toda a gente, com exceção de um ou outro, dirigiu-se ao templo, no domingo, 16 de julho de 1645. Antes da anunciada fala, ia haver a missa dominical. Iniciou-se, pois, a celebração. Quando chegava, justo, o momento da elevação da hóstia, todas as portas e janelas foram fechadas, de súbito, e os índios, brandindo suas armas, avançavam, aos gritos, sobre os fiéis, Jacob Rabi açulando. Ninguém da igreja pôde se defender; os bordões (únicas armas permitidas pelos holandeses) haviam ficado, pacificamente, no pórtico. Cenas dantescas aconteceram. O sangue correu no piso do templo.

Enquanto isto, outros índios iam passando a fio de espada ou a pau aqueles colonos que tinham permanecido nas casas do engenho.

Da matança escaparam apenas três pessoas, que conseguiram fugir por cima dos telhados. Até o celebrante, padre André Soveral, velhinho de noventa anos, foi morto, sem contemplação.(3).

OS MÁRTIRES DE URUASSU

A chacina de Cunhaú repercutiu na Paraíba, onde os moradores, receosos da mesma sorte, pegaram em armas. Aqui no Rio Grande do Norte espalhou-se o terror. Os que não puderam fugir para Pernambuco e Paraíba, "procuraram refúgio no engenho de João Lostau Navarro (devia ser o Ferreiro Torto) e cerca de setenta se entrincheiraram na distância de seis léguas pelo rio acima, construindo uma espécie de arraial cercado de paliçadas, para onde levaram suas famílias, mantimentos e provisões em abundância" (A. Tavares de Lyra - "História do Rio Grande do Norte" - ed. 1982, páq, 78).

Em redor daquele arraial começaram a agir os inimigos: assaltos e emboscadas. É aqui que aparece de novo a figura de Jacob Rabi. Em nome dos holandeses parlamenta com os rebeldes e fala em paz. "Assegura-lhes que tudo aquilo acabaria, e que as barbaridades, que era ele o primeiro a lamentar, eram obra de alguns perversos, que haviam sido já enviados para o Recife, a receber a punição daqueles crimes" (Rocha Pombo - "História do Estado do Rio Grande do Norte" - 1922, pago 129).

Pois, dai a quatro dias ali se apresenta o mesmo Rabi. Mas, desta vez, vinha outro. Acompanhado de uma legião de índios, ataca o arraial. Há resistência. Então Rabi manda buscar no forte Keulen duas peças de artilharia e assesta-as contra o reduto, exigindo rendição, sob pena de não poupar vida; nem mulheres, nem crianças. Sem outra saída os rebeldes rendem-se. E ai Rabi mostra-se magnânimo, prometendo-lhes garantia no forte, onde já se encontravam "alguns dos mais distintos moradores do Natal". Todavia, alguns rebeldes são presos como reféns.

Algum tempo depois, todos eles - prisioneiros e refugiados - recebem ordens para retomar às suas terras, "onde o governo fazia questão de que vivessem soba garantia das leis e das autoridades holandesas". Numa manhã, foram postos em batéis, que logo deslizaram pelo Potengí acima. Iam felizes, de volta ao lar. De repente, porém, os batéis pararam - era num lugar chamado Uruassu - e foram colocados em terra. Então, duzentos e tantos índios surgiram de trás das moitas, a um sinal dos holandeses de Rabi. Correram, aos gritos, pra cima dos indefesos rebeldes. Começava assim a célebre matança de Uruassu. Vejam como a descreve Fr. Rafael de Jesus:

"Deram os bárbaros holandeses sinal aos selvagens emboscados; saíram estes dos matos com gestos e gritos tão medonhos que causariam espanto ao insensível, quanto mais aos humanos destinados a serem presa daqueles tigres. Mandou então o herege a um predicante de suas diabólicas seitas (pastor protestante, esclareça-se) que entrasse a pregar-lhes prometendo certezas de glória e esperança de vida aos que se convertessem. Nada conseguindo, tomou o predicante por conta o desagravo da seita e a vingança das injúrias, e começou a atormentar com as mãos a todos aqueles fiéis servos de Deus com tal desumanidade que a cada um desejava prolongar a vida para prolongar o martírio".


"AOS BRAÇOS TIRAVAM AS MÃOS"

"De cansado desfaleceu o braço da herética crueza, porém não o valor da católica paciência. Retiraram-se os holandeses, e entraram de refresco os Alarves; e não achando naqueles corpos parte que de novo pudessem atormentar, os foram cortando e dividindo por todas as juntas, até que neste martírio deram as almas ao seu Criador ... Horríveis à sua vista deixou a crueldade aqueles corpos, tanto que nem ainda tinham forma de troncos: a muitos abriram, para lhes tirarem as entranhas, depois de lhes cortarem as cabeças, as pernas e os braços; às cabeças tiraram as partes que lhes dão a forma, como olhos, língua, nariz e orelhas; aos braços tiravam as mãos: às mãos, os dedos" ("Castrioto Lusitano").

CORAÇÃO ARRANCADO
Tavares de Lyra e Rocha Pombo, citando velhas crônicas, falam no "moço casado, homem bizarro e jovial" que, amarrado a uma árvore viu arrancada a língua, sentindo em lugar dela ... E teve o coração extraído pelas costas. Referem-se, ainda, aqueles historiadores aos suplícios infligidos ao Pe. Ambrósio Francisco Ferro, vigário de Natal - barbaridades tamanhas a ponto de Robert Southey dizer: "Tenho vergonha de escrevê-las".

A HORA E VEZ DE RABI
Quem com ferro fere ...

Jacob Rabi foi morto a mando de Joris Garstman, notabilidade holandesa, cujo sogro fora uma das vitimas de Uruassu.

Câmara Cascudo cita depoimento de Oirk Mulder van Mel, em que este descreve o aspecto do cadáver de Rabi: - deformado por vários golpes de espada no rosto, na cabeça e no braço direito. Uma bala penetrara-lhe do lado esquerdo do corpo, fazendo um ferimento tão profundo que o depoente tinha podido meter nele dois de seus dedos até ao fim. Uma outra bala varara-lhe o lado direito abaixo das costelas falsas".

Requiescat in pace.


NOTAS

1 - Afirma Olavo de Medeiros Filho, em seu livro "índios do Açu e Seridó": "Foi graças a um judeu alemão do condado de Waldeck, Jacó Rabbi, que viera para o Brasil com o conde João Maurício de Nassau em 1637, que ficou escrita a mais famosa crônica sobre os índios da nação tarairiú, súditos do rei Jandur.
Tal crônica, presenteada por Rabbi ao Conde Maurício de Nassau, serviu de base para as descrições escritas por Barleu, Marcgrave, Nieuhof, Piso, Morisot e outros cronistas holandeses". (Ed. 1984, pago 17).
2 - Segundo Fr. Rafael de Jesus e Dom Domingos Loreto Couto morreram 69 pessoas. Nieuhof, "que extraiu os dados do relatório do Governador Linge, diz que foram 35 as pessoas mortas, e André Vida I, carta de 19 de agosto, dá 40. Uma representação dos moradores de Goiana resumida em Nieuhof, fala em 37" (Hélio Galvão - "História da Fortaleza da Barra do Rio Grande" - 1979 - pago 86.)
3 - Fr. Rafael de Jesus ("Castrioto Lusitano") e Dom Domingos Loreto Cauto ("Desagravos do Brasil") descrevem o episódio, provavelmente com algum exagero.
4 - Presença sinistra em Cunhaú e Uruassu, Jacob Rabi também aparece, sempre como vilão, em outros episódios menos significativos, nessa crônica de horrores que é a história da dominação holandesa no Rio Grande.