sábado, 16 de abril de 2011
Cleodon Aranha
CLEODON ARANHA
Luís da Câmara Cascudo
In O Livro das Velhas Figuras
Em janeiro de 1911, inaugurou-se na praça Augusto Severo, diante da estação da Great Western, a Onda Giratória de Fortunato Aranha.
Era uma plataforma com um movimento circular e alterando os níveis durante o giro. Uma série de poltronas recebia o curioso que pagava um cruzado.
Havia um realejo mecânico, caixa de música, alegrando cada exibição. Uma das solfas foi traduzida pelo povo como possuindo a seguinte letra:
Vamos, seu Fortunato,
Vamos e não se esconda,
Venda-me uma passagem
Que eu quero andar na onda!
Esta onda é de Gilberto!
É de Solon!
É de Fortunato!
É de Cleodon!...
Quero evocar justamente esse CLEODON, o mais velho dos filhos de Fortunato Aranha, o fundador da Livraria Cosmopolita, na Rua Dr. Barata, a mais antiga e a inicial no gênero.
Cleodon era alto, magro, pálido, sofrendo de paralisia progressiva que lhe tolhia o uso dos membros de locomoção. Andava curvado, pernas hirtas como se fossem inteiriças, o pescoço quase imóvel, impossibilitando a livre movimentação da cabeça.
Todos os seus gestos eram em ângulo agudo, duros, esquemáticos, numa dolorosa e limitada mecânica funcional.
Era o gerente, o guarda-livros, pregado, dia todo, na cadeira, escrevendo notas e falando com os fregueses.
Tinha dias de euforia e clima de acolhimento expansivo e épocas angustiadas de silêncio rosnado, de mau-humor permanente, de exasperação irradiante.
Era exemplar de boa educação fidalga e de malcriação notória, correspondendo às fases de melhora e piora na enfermidade atormentadora.
Compensava-se dos longos horários na Livraria e da quase ausência de liberdade ambulatória, lendo. Lendo todos os livros, revistas, folhetos, tudo quanto podia. Antes do freguês comprar o volume ou ver a revista, Cleodon já havia "passado os olhos".
Era o mais bem informado dos natalenses e o noticiarista verbal do movimento bibliográfico nacional. Anunciava os lançamentos editoriais, livros no prelo, o que Coelho Neto ou Olavo Bilac tinham para publicar, o escritor que viajava na Europa, as brigas entre literatos, os escândalos no meio das glórias do Rio de Janeiro.
Contava anedotas, explicava episódios, historiava biografias.
Era muito difícil dar uma "novidade" a Cleodon Aranha, sempre com uma página diante dos olhos, livro ou jornal. Quase sem levantar a vista, ia dizendo:
"A Consolidação" será esgotada. A nova edição não saiu ainda...
De Alcides Maia, temos Ruínas Vivas... Há um livro novo de João do Rio...
A edição de Raimundo Corrêa foi feita em Portugal... O Almanaque do Tico-Tico já chegou...
Henrique Castriciano, que era poeta, e Meira e Sá, que era jurisconsulto, chegando na Cosmopolita, iam direto conversar com Cleodon. Cleodon sabia tudo.
Fora boêmio, recitador de versos, amigo de serenatas, doido pelo luar e o violão.
Mesmo doente, lá uma vez ou outra, acompanhava um grupo olhando as estrelas rutilantes.
Faleceu em 22 de dezembro de 1918, tinha 45 anos.
Quero lembrá-lo, evocando sua fisionomia, sofredora, tão conhecida no velho Natal que o tempo levou...
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