Olívio chegou ao Brasil em 1921, em companhia de mãe e irmã, a chamado de seu Silva, irmão mais velho, famoso sorveteiro dos idos de 30 nas calçadas do Majestic e Royal Cinema.
— Quem nunca tomou sorvete feito por seu Silva não sabe o que é sorvete, relembravam os saudosistas.
— Não eram essas essências de hoje. Dava gosto tomar uma casquinha. Você sentia o sabor do abacaxi, do maracujá, do caju, da baunilha.
Enéas Reis, da Sul América e do Cinema Rex, chegava e pedia:
— Seu Silva, bote aí vinte minutos de sorvete.
E passava nos peitos quantas casquinhas viessem naquele espaço de tempo.
Só o próprio seu Silva não dava valor ao seu produto, como certas cozinheiras que produzem manjares celestiais e não provam um pedaço sequer do que fazem. O que ele apreciava mesmo era a branquinha. Aí, sim, ele dava o devido valor.
— Se eu voltar pra Santa Terrinha, fico rico em dois tempos, só vendendo cachaça, sonhava, esquecido dos tintos, dos brancos, do Macieira.
Mas como ia dizendo, Olívio era natural de Peruzinho e nada mais compreensível que, assumindo o negócio, colocasse o nome do seu torrão como endereço telegráfico da firma, gravado em letras vistosas nos papéis de embalagem que mandara confeccionar.
Alguns queriam saber a naturalidade de quem nascia em Peruzinho.
— Pirulista, assegurava Moisés Villar, como se acabasse de consultar Aurélio Buarque de Holanda.
— Impossível! Soltava-se Mozart. E com dupla intenção:
— É frango de peru. Ninguém nasce peru. Vai crescendo aos poucos. Portanto, quem nasce em Peruzinho é frango.
Um dia, depois de visita à lusitana terra em missão cultural, Cascudo soltou a bomba em pleno salão:
— Olívio, percorri Portugal de Ceca à Meca e não localizei Peruzinho.
Ninguém sabia se era verdade ou brincadeira do mestre para bulir com o portuga.
— Foi tragado pelo rio Tejo, logo que Olívio saiu de lá, descarava Moisés, a seriedade em pessoa: eu li nos jornais.
— Nunca! Agora era Eider Reis quem entrava na querela. Quando Olívio deixou Portugal, o rio Tejo ainda era olheiro d’água.
Outro luminar se manifestava.
— Lá, é fácil se saber se o filho é legítimo ou não. Se fizer glu-glu, é legítimo. Se não fizer, o marido vai entregar a mulher ao pai da moça. Era Múcio Teixeira, o Múcio Caninha, que dissertava do alto da sabedoria da quinta dose.
Foram precisos muitos anos, e depois de Luizinho, filho mais velho de Olívio, ir estudar em Portugal e de lá escrever, para a freguesia acreditar, de mesmo, na existência de Peruzinho.
O português passava, de mesa em mesa, mostrando o carimbo do correio na carta.
Lá, ainda existiam parentes de Olívio.
— Está rico e não vem mais nos ver, queixavam-se. É um ingrato. Capaz de não falar mais português...
Olívio tem vontade de rever a aldeia, mas falta-lhe coragem, principalmente agora que Luizinho casou em Portugal e trouxe a reboque mulher e dois portuguesezinhos.
Olívio encontrou uma desculpa:
— Agora eu tenho com quem falar português. Não vou mais. Coisas de português.
O diabo é que freqüentei anos e anos a confeitaria e ainda hoje não sei a naturalidade de quem abre os olhos para o mundo em Peruzinho.
José Alexandre Odilon Garcia
(05.05.1925 - 02.02.1997)
In Acontecências e Tipos da Confeitaria Delícia,
Editora Clima, Natal/RN – 1985
Comentários do post:
§J§ querido, |
As coisas no Peruzinho passam-se da seguinte maneira: os habitantes nados no extremo mais ocidental da aldeia são os chamados Peruzenses; os nados na extrema este da aldeia são tidos como Perunistas; nados no centro, mesmo ao pé do adro da Igreja e da tasca do Sr. Meireles, são os Quase-Perus-Mas-Ainda-Não. |
pois é. eu tou com o Eduardo: acho q é Perosense! Delícia de crónica! obrigada pela dica, Márcia! |
Márcia, |
Bem que valeu a pena vir conferir! Levo daqui uma barrigada de riso, mas não sem antes de mais parabenizar o engenheiro da prosa!!! Tá de cronista sério!! |
Márcia, minha amiga de além-mar, beijo grande do lado de cá. Eu também não sabia de Perosinho |
e coisa boa foi conhecer a este Blog! |
Ô coisa boa é ter amigos do outro lado do mar! Sabem há quanto tempo perdurava esta dúvida? Uns bons 84 anos, desde que Seu Olívio chegou em Natal. E foi resolvida num passe de mágica. Com um pedido simples de uma amiga, do lado de cá do mar. |
A questão, é que Perosinho existe, mas com O e não com U. |
Vim até aqui embalada pelo teu comentário deixado no Conversas de Xaxa onde participo também. E, apesar de não ter conseguido ainda ler todo o texto, por motivos de trabalho, não pude ir embora sem deixar um elogio a esse espaço com o qual acabei de ter contacto, apesar de ainda não o conhecer como pretendo fazê-lo. Um bjito |
Elementar, minha cara Márcia. |
Meus caros! Por sugestão da Márcia, aqui vos deixo o meu testemunho. Perusinho existe sim!... e é bem lindo, é uma vila pacata e bem bonita, no concelho de Gaia, Banhada pelo rio Douro, distrito do Porto! Eu moro lá perto minha gente!... E garanto que se seu Olívio cá vier terá recepção a condizer!... |
Peruzinho? não sei, não! ainda se fosse de "Pixa" diria que era "pixote". Mas Peruzinho, não enxergo, não! |
Bom dia. |
Fui para aqui chamada, pela Marcinha e gostei do que vi e li, ficando a matutar no filho do peruzinho! |
Dunga, meu bom! |
que delícia de crônica. agora, até eu fiquei em 'pontas', como costumam dizer nossos irmãozinhos. quem nasce em Peruzinho é o quê? |
Vou convidá-los a vir aqui ler a crônica. Quem sabe não decifram a charada? |
Obrigado Márcia, |
Essas crônicas são mesmo uma delícia, Dunga. Não canso de relê-las. Mais que merecida homenagem. |