Às vezes penso em território boêmio como proibido. Ali, repousam almas sedentas. E o leque de desejos é amparado pela ânsia. Assusta.
No Beco da Lama é diferente. Sempre foi. É chão escorregadio, sim. Mas cabe todo mundo. E freqüentam quase todos. Quase todos os de alma libertária. É como na vila da Redinha: o gosto pelas coisas simples se faz necessário para sentar, beber e prosear.
E das prosas brotam histórias e estórias, como as contadas pelo jornalista Leonardo Sodré, sob olhar capcioso de Dunga.
Contações de um beco-confraria; de um beco-praça; de um beco-cantão. Parágrafos de líderes livres despidos em palavras.
E quem são esses loucos? Os amantes da arte e da cultura mais genuinamente marginal. Os poetas errantes e certeiros de palavra, estrofes e sonetos. São os de vozes ecoadas dentro da redoma do beco e espalhadas aqui e ali. Vozes desejosas de gritos mais altos e outros que sequer sabem que são ouvidos. Nem fazem questão.
O Beco da Lama é beco sem vontade de avenida e de alma enlameada pelo perfume da província. Cabe ao curioso filtrar a astúcia e se adaptar à realidade daquela atmosfera.
Há um convite inconteste no ar. Quase um chamamento.
Claro, há o perigo. E não vem da sisudez de Helmut. Uma vez do beco, os contornos da cidade modificam. Aquela eterna espera por grandes novidades, herdada da Segunda Grande Guerra, quando os americanos chacoalharam a cidade, se esvai.
O amante do beco se volta às novidades dos arredores. A cena cultural da cidade ascende. O CentroHistórico despe-se do cinza e ganha cores. E a medida em que se é tragado pela alma do beco, uma sinfonia começa a tornar-se audível, vinda lá das funduras do Potengi.
É quando o curioso olha para os lados e grita: viva a liberdade! Salve o beco-boemia!
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