segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Nos tempos coloniais

VIDA SOCIAL E DOMÉSTICA
Clementino Câmara

Não deixa de ser interessante relancear a vista através dos costumes dos nossos antepassados nos tempos coloniais. É urna página de ingênua candidez rever a sua vida íntima, simples, despreocupada, sem as emoções que nos assediam. Poucas de suas usanças chegaram até nós. Foram substituídas por aquelas que a evolução arrasta em sua caudal.

Comecemos apreciando suas habitações. Poucas casas eram de tijolo, e assoalhadas, raríssimas. O piso em geral era de barro apiloado e a cobertura de telha ordinária, palha ou capim. Quem dispunha de recursos costumava fazer, separados dos aposentos, cômodos para hóspedes, urna vez que naqueles tempos não havia hotéis nem pensões corno hoje. Por móveis usavam os abastados bancos toscos, esteiras e tapêtes. Mas, na generalidade os trastes eram "o jirau elevado do solo cêrca de meio metro, sôbre o qual eram depositadas as panelas de barro, xícaras, cuias e pratos toscos, o jirau suspenso do teto onde eram guardadas as colheres de pau e outros utensílios de uso diário na cozinha, servindo também para conservar os queijos devidamente arejados; e nos quintais, os jiraus sôbre os quais eram colocados vasos com plantas, que constituíam os temperos daqueles tempos: cebolinha, hortelã e coentro.

"Outros vasos continham as flores e plantas conhecidas na época: cravos brancos, cravo de defunto, cravinas, alfavaca, arruda e manjericão.

"Na sala de jantar e na cozinha, os potes dágua e do leite posto a coalhar eram sustentados por forquilhas apropriadas e não muito elevadas do solo. Na comunidade dêsses aspectos, a casa sertaneja, que era naquele mesmo ciclo, apenas a do vaqueiro, há a acrescentar os cavaletes, geralmente armados no copiar, destinados a suportes de selas e cangalhas, tornos fincados nas paredes, onde eram penduradas as roupas de couro, constituídas por perneiras, véstias e guarda-peitos, e cabides feito de determinadas madeiras, contendo entre trêz e quatro ganchos de alguns centímetros apenas. Êsse traste, tão antigo como o jirau e as forquilhas para os potes, era suspenso do tecto por correias que serviam também para pendurar cordas de laçar, freios, cabrestos e chocalhos com as respectivas amarras".

Fazia-se pouco uso de cama; dormia-se em rêdes; e os mais desprotegidos da sorte arranjavam sua cama com varas sôbre forquilhas fincadas no chão, a qual chamavam jirau. Nas casas em que havia copiar, armavam rêdes para descanso.

Nas refeições, que eram almôço, jantar e ceia, tomavam assento à mesa o pai, os filhos casados e os hóspedes de distinção, em compridos bancos ao longo dela que ficava encostada à parede. Tôdas as iguarias são postas logo: carne, peixe, caça, ovos, pírão, leite, frutas e doces. Café só apareceu muito tarde. Todos serviam-se com os dedos; depois veio o emprêgo da colhér. O talher é relativamente novo. Nota muito distinta era, com uma das poucas facas que vinham para a mesa, cortar o dono da casa a carne e oferecê-la ao hóspede.

Era comum andarem os homens armados, nem que fôsse apenas de faca.

A autoridade do pai de família era absoluta. Os filhos o temiam e tremiam deante dêle. Não se sentavam à mesa com êle. Comia só. Nenhum filho podia barbear-se pela primeira vez sem sua permissão. Falava pouco. Feita a refeição ia catar novidades na casa do capitão-mor, palestrar na Câmara, ou contar "casos" nas rodas. Seu feitor dirigia os escravos e trabalhadores. Usavam desde a casaca de pano fino azul ou prêto, calções abotoados abaixo do joelho, meias compridas de sêda, prêsas por ligas, colête quase todo abotoado, gravata que envolvia o pescoço, chapéu alto e sapato de entrada baixa. O homem do povo trazia calção e jaqueta de pano ordinário, calçava tamancos ou alpercatas. Os mais pobres andavam de camisa e ceroulas, e descalços.

A mulher tinha a direção do lar, orientando os filhos e distribuindo a tarefa entre os escravos. Sua autoridade por vêzes tornava-se excessiva, só recuando deante da do marido para quem era mais uma serva do que uma companheira. Raramente saía de casa, a não ser para a igreja ou a alguma visita rara. Aliás, não era decente uma senhora andar na rua. Se, entretanto, de longe em longe, ia visitar um parente próximo, as que não eram pobres trocavam o vestido doméstico, de chita, pelo de cetim, sarja ou veludo, e as chinelas de marroquim, pelos sapatos de veludo com fivela. Punham as jóias e cobriam o rosto com um véu prêso ao penteado de cocó, por um trepa-moleque.

As senhoras ricas nunca andavam a pé. Eram conduzidas em uma cadeirinha levada por dois escravos moços, fortes, bonitos e bem vestidos, ou em sege, palanquim ou berlinda, conforme a evolução dos veículos. As mulheres da última camada vestiam sáia e cabeção feitos de algodão ordinário.

As moças quase nunca se mostravam, mesmo aos mais conhecidos da família, pois íntimos, pode-se dizer, não havia. Sempre que alguém chegasse à casa - eram ordens paternas - recolhiam-se à camarinha. Isso, porém, não obstava a que bispassem o visitante pela greta da fechadura.

Os meninos até muito crescidos vestiam camisão ou sunga.

Cedo os irmãos eram cuidadosamente separados do convívio das irmãs, e o filho mais velho era respeitado pelos outros, podendo mesmo, em certos casos, castigá-los.

O contrato de casamento era feito pelos pais dos jovens, à revelia dêstes que apenas eram cientificados. Era praxe geralmente seguida casar-se as filhas pela idade. Raramente os noivos se defrontavam, mesmo a mêdo. Não se lhes permitia conversar. As bodas, todavia, eram celebradas com desusada pompa, principalmente se a família da nubente dispunha de recursos.

Havia uma espécie de aristocracia - resquício da empáfia lusa - possuidora de escravaria, engenhos e bens. Eram descendentes dos primeiros povoadores. Ocupava os cargos públicos, sempre altiva, cíosa de seus supostos predicados, nenhum pai consentiria no casarnento de seus filhos com quem também não pertencesse a uma presumida fidalguia.

No dia do casamento dirigiam-se os nubentes à igreja, com grande cortejo, geralmente a cavalo se a distância era considerável. Realizado o ato, em que a noiva muito pudibunda, chorando, tomava a bênção e abraçava os pais, corriam dois arautos, a tôda brida, em demanda da casa, para pedir as oloiçaras, exibindo o anel da noiva.
Pipocavam os primeiros foguetes. Os noivos eram recebidos com flores e música. Seguiam-se as festas, que tinham mais o aspecto de uma comezaina.

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