terça-feira, 29 de setembro de 2009

Picolé de coco

Leonardo Sodré
Jornalista
julho, 2008

Houve um tempo em que eu, menino gordinho e sem nenhuma maldade, era uma espécie de referência na minha casa. Filho primeiro de um casal que havia vindo do interior da Paraíba nos anos 1950, era tratado como um troféu. Recebia todas das benesses da idade, o que incluía copos de alumínio com picolés de coco que minha mãe me servia ao entardecer daqueles tempos da rua Manoel Dantas, em Petrópolis.

A gente se sentava no muro alto da casa da esquina da rua Ana Néri, onde morávamos, para esperar o meu pai ao entardecer. Era difícil vislumbra-lo nos finais de tarde, vindo da direção da avenida Deodoro, a pé. Ele era boêmio. Não costumava chegar cedo da noite, mas, sim, cedo do dia. Entretanto, vez por outra, digamos, lotericamente, ele vinha. Era uma alegria! Foram poucas vezes naquele tempo, confesso. Mas, quando ele surgia com aquele paletó de linho branco, todo amassado, era como um presente. Eu torcia para que aquele milagre fosse diário. Nunca foi, mas o que foi, foi bom.

O picolé abundante de coco era o mote para irmos esperar papai. Eu devia ter uns cinco anos de idade. Mamãe, 24. Tão solitária como as noites que avizinhavam os seus dias. Linda e resignada, conhecia a boemia pela mão de Omega Sodré, meu avô. Sabia que a espera nunca poderia ser concretizada totalmente. Talvez por isso gostasse tanto, como até agora, de um saguão de aeroporto: pode atrasar, mas alguém vai chegar. Quanto a mim, estava, na minha inocência, saciado pelo picolé de coco. Tão gostoso, que duvido que alguém fizesse um melhor do que a minha mãe. Hoje, sei que aquele capricho não era para mim: era para o meu pai.

Era um paraíso desejado. Uma vontade danada de que ele estivesse ao seu lado todas as noites. Mas ele nunca estava.

Hoje, passadas quase cinco décadas, vejo-a ainda esperando. Minha mãe nunca deixou de esperar. Às vezes, espera por mim; outras, pelos netos. Às vezes, mostra um semblante triste que revela aquela mesma solidão que viveu quando era uma jovem senhora numa cidade desconhecida. Mamãe nunca deixou de esperar. Ela conhece a solidão como ninguém, talvez até academicamente, se houvesse academicismo para mensurar a solidão. Mas ela é poética e dribla a morte com a suavidade da música, com alegria e uma vontade tão grande de viver, que é inimaginável vê-la um dia morrer.

E continua a fazer deliciosos picolés de coco.

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