segunda-feira, 28 de março de 2011

A noite em Natal, 1924


A NOITE EM NATAL
Luís da Câmara Cascudo
Bric-à-Brac. A Imprensa, 11 de Maio de 1924
In A Cidade de Natal nas Crônicas Cascudianas dos anos 20, Raimundo Arrais

Despensa o commentario. Basta annunciar. Natal a noite. Estamos vendo uma cidade quieta como se aprendesse o movimento com as mumias pharaonicas. Sob a luz (quando ha) das lampadas amarellas arrastam, meia duzias de creaturas magras, uma "pose" melancolica de Byrons papa - gerimúns.

Depois, um "film" no Royal ou Rio Branco ou poker somnolento do Natal club.
Estive uns tempos inquerindo de como alguns amigos meus passavam as primeiras horas da noite. As respostas ficam todas catalogadas em trez classes. Indolencia. Ficam em casa e tentam ler.

Sahem e não havendo (desde que morreu Parrudo) nada de novo entre nós, deixam-se ficar madorrando numa praça silenciosa. Instincto de elegancia. Natal club. Ahi está como vive a noite um rapaz nesta terra de vates e de enchentes.

Não possuimos o instincto do "saloon', do ambiente, do ajuntamento. Em 1888 Paula Ney affirmava que os brasileiros só se reuniam em caso de briga. Deve ser verdade. Das quinze a vinte sociedades litterarias, dansantes, e operarias que existem por aqui duas abrem o que se convencionou chamar “os seus salões”.

O habito de palestra não é brasileiro. Nós descutimos. Somos discursophilos. Não sendo o nosso forte as leituras dos assumptos em controversia pomos a razão na força do berro.

Adhemar Vidal registrou a primeira observação, Gilberto Freyre a segunda. Chamou-a Stentormania. É, talvez, esta a maior affastante das nossas conversas. lndole calma e extranhamente irritavel, perdemos o "aplornb" logo as contestações iniciaes. A formula do brasileiro julgar é simples e peremptorio. Sabio ou nullo. Nunca dispomos de um elogio para quem discordamos.

O brasileiro só está de acordo quando ouve ou narra anedotas.
É logico não estamos sempre no véso de cantar historias jocosas. D'ahi o afastamento. Quem sahe de casa leve obrigatoriamente uma novidade. Se não, não, como diria o velho fidalgo portuguez.

Entre os natalenses as novidades raream. Substituiram-nas pelo “ouvi-dizer”, “estão decendo por ahi” e quejando.

Aquelles, por higiene moral imunes de tal vicios ficam em casa ou jogam o desplicente poker no Natal-club. E penso que só!...

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