quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A VOVÓ DA PEFORMANCE

revistacatorze

A Vovó da Performance: O que diabos é isso II?

  • terça-feira, outubro 6, 2009, 22:03
Civone Medeiros na Performance LIVROCORPO

Civone Medeiros na Performance LIVROCORPO

Civone Medeiros anda ocupada. A vovó da Performance – termo usado por alguns artistas pelo longo tempo em que ela se dedica a arte – organiza atualmente o “Escrituras Sangradas” uma série de intervenções performáticas e culturais que irão acontecer no dia 29 de outubro no Nalva Melo Café Salão, para celebrar os 15 anos do local. Entre uma ocupação e outra ela – que desde 1988 realiza performances na cidade – teve tempo de responder uma entrevista que enviamos por email.

Na entrevista ela fala um pouco da sua carreira e da história da performance aqui em Natal, sobre a concepção das suas apresentações e nos ajuda a destrinchar e tentar entender um pouco mais sobre esse tipo de arte.

Catorze: Como começou na Performance:

R. – Minha trajetória nas artes, começou aos 11 anos com um trabalho de teatro na escola, à época, o Inst. Pe. Miguelinho, de lá participei duma seleção para ingressar na escola de danças do TAM, fiz 4 anos de dança, que é meu começo nas artes. De lá, fui para o Teatro Mágico do Vercio Lisboa/Subhadro, com um teatro fragmentado, experimental à medula e que me empurrou no abismo libertário e maravilhoso da Performance. Nesse ínterim, 1988, me envolvi de corpo e alma com o Movimento OXENTE! De intervenções urbanas e performáticas. Viajamos pelo Brasil e realizamos inúmeros projetos.

Catorze: Como são feitas as concepções das apresentações?

R. – Como trabalho com diversas mídias, linguagens e suportes, não tenho uma linearidade nem dedicação exclusiva para a Performance. E muitas vezes, meus trabalhos fundem-se uns nos outros ou derivam entre si.
No meu processo criativo, trabalho com o que o John Cage definiu como Partitura aberta – defino tema, título, elementos, sentimentos, um ‘possível’ início, um ápice para a Performance e uma finalização mentalizada; nesse entremeio, entre início e meio, deixo a partitura totalmente em aberto, para reações com meu entorno, seja ambiente ou humano. Do mesmo modo entre o ápice e o final, também me proponho a mesma prática. Performance é aqui e agora.

Catorze: Como é a recepção do público com suas performances?

R. – Não há como planejar minhas próprias reações aos encontros e desencontros com meus semelhantes. Não há como prever as reações dos outros, os acasos bem vindos que sempre vem e os até não desejados ou calculados… Performance é risco. O risco de ser verdade. E se não o for, se for mera representação é puro espetáculo. Válido enquanto arte-espetáculo. Mas, não é tão Performance, não.

Bem, no rastro da minha trajetória, e pela escassez de acesso e difusão de conhecimentos a cerca da Arte da Performance para o crescente interesse nesta prática artística, surgiu a Plataforma PERFORMARE (exatamente, visando a formação, ou seja, a auto-formação) que é um projeto no plano Virtual & Real, com Blog (http://performare.blogspot.com), Comunidade no Orkut, Acervo e Grupo de Difusão da Performance-Arte e Oficinas/Palestras. Compartilhando Idéias Convergentes e Díspares, estes espaços também visam captar, divulgar e fomentar os Performers Potiguares, num mergulho profundo sem bomba de oxigênio no âmago da História da Performance, Precursores, Práticas, Contradições, Desvios, Conceitos.

A plataforma conta com um acervo de imagens online, que está sempre sendo ampliando assim como temos também o Acervo Documental em diversos idiomas. É uma fonte hipertextual riquíssima para pesquisas, estudos, práticas.

Catorze: Fale um pouco da performance aqui em Natal. Como começou. Quem produz.

R. – Há indícios pouco documentado e registrado, desde meados dos anos 60s, com performances e performers ativistas, desde a geração mimeógrafo, onde posso citar Jota Medeiros, Falves Silva, Moacy Cirne* e vindo dos 70s aos 80s com Plínio Sanderson, Eduardo Alexandre, Carlos Gurgel, Marcelo Fernandes, Marcellus Bob, entre outros.

Já no fim da década de 80s e meados dos 90s, o Movimento OXENTE! chega com mais veemência entre a prática de performance e intervenções urbanas e ambientais. Do movimento, fizeram parte entre outros: Saionara Pinheiro, Guaraci Gabriel, Civone Medeiros, Cícero Cunha…

Atualmente, destaco a Múcia Teixeira, o Enio Cavalcanti, o Disfunctorium, o Allan Chaves, Maribondo Cabôco, Guaraci Gabriel, Agatha Montecinos, e outros que não lembro o nome agora.

Catorze: A Performance é uma arte marginal?

R. – A margem é dua, e há o meio. O meio é a terceira margem, para alguns artistas, inserção, imersão, repulsa. Tudo que é de difícil definição e digestão passa ao largo das práticas culturais estabelecidas e até mesmo propagadas pela academia, que ainda hoje, dita – em parte – a regra do que é arte para se estudar e formar nas universidades.

Catorze: Já houve um evento significativo na terrinha (se houver, como foi?)

R. – Há alguns acontecimentos que ficaram marcados. Nesse caso, posso falar mais dos quais vivenciei/realizei, como a Performance LILITH dentro da programação da Maratona Fotográfica – na travessia da balsa rocas-redinha, em 1997; mais recentemente, o Coletivo Maribondo Cabôco de Performance-Teatro deu seu start no 8 de Maio realizado pela Funcarte, em 2007; o Maribondo está em meio a uma ‘pause’. O Projeto Disfunctorium se caracteriza principalmente pela Dança-Performance e desponta como um trabalho consistente de pesquisa e realização performática.

Catorze: Como se estuda essa arte por aqui?

R. – Performance-Arte é por si, uma arte híbrida, daí sua difícil classificação. Hoje em dia é que vem sendo mais absorvida por outras artes e artistas mais formais e/ou formalizados… Tais como teatro, dança, etc. O DEART/UFRN deu início aos estudos e práticas de Dança Performance, disseminando entre estudantes, artistas e público algumas variantes da Arte da Performance. Hoje em dia, há coletivos que estudam, pesquisam e praticam por conta própria – mesmo estando inseridos na academia, como o Projeto Disfunctorium e o Maribondo e nos últimos 2 anos, iniciei as Oficinas PERFORMARE – realizando a Oficina #1 no 8 de Maio/2008 no CEMAI/FUNCARTE e a Oficina #2 na I Mostra de Artes Visuais do DEART/UFRN, que foi excelente.

Catorze: Como é o cenário aqui na cidade?

R. – O cenário é a cidade. Aqui, se pratica muito mais a Dança-Performance, o Teatro-Performance… Que é performance menos narrativa, menos ensaiada. Há um roteiro aberto? Uma Partitura, elementos composicionais? É Performance. Há ensaios, marcações e falas rígidas? É dança, é teatro, e um pouco menos Performance. Nesse sentido, sou das mais puristas das Performers. Como diz Sheila Leiner, “A performance é uma pintura sem tela, uma escultura sem matéria, um livro sem escrita, um teatro sem enredo… ou tudo isso…”.

Catorze: Qual a relação da Performance e outras artes?

R. – Essencialmente, a Performance é a investigação criativa da interseção do tempo, o espaço e o corpo. Seu âmbito de interesse parte das artes visuais e não se limita só às artes visuais, estende-se mais além de territórios fronteiriços com outras disciplinas e fontes, das quais bebe e se nutre.

O termo Performance é um anglicismo tomado a partir de verbo Inglês to perform significado essencialmente representar, interpretar, agir. No âmbito anglo-saxão, o termo aplica-se tanto no mundo do teatro, cinematográfico, sexual, esportivo ou musical. Na Europa latina, desde o início do século, a palavra Performance ganhou força em comparação com outros termos equivalentes, como ação, arte de ação, arte de comportamento… Hoje em dia, o termo se refere quase exclusivamente a um tipo de trabalho artístico de caráter presencial dentro da área de artes visuais. Mas tanto quanto ilimitado como pelo dinâmico do conceito, a Performance assume muitas formas e manifestações: desde os mais complexos projetos tecnológicos às mais simples manifestações presenciais, tudo tem cabimento no universo performativo.

Catorze: Quando é performance, quando é teatro?

R. – Performance-Teatro é uma modalidade da Arte da Performance. Teatro é Teatro. Há ensaio. Marcações. Narrativa fechada. Teatro é essencialmente mais espetacular. Performance não é espetáculo. Não se representa uma performance. É a vida como ela se apresenta. Se vive. Se especula.

“A performance, num sentido estritamente ontológico, é não reprodutiva. E é essa qualidade que faz da performance o parente pobre das artes contemporâneas. A performance estorva os maquinismos suaves da representação reprodutiva necessários à circulação do capital.” (PHELAN)

Catorze: Uma provocação: “Todo merda agora é arte?”

R. – Re/provoco: “Toda Arte Agora é Merda?” Tudo em que nossa capacidade sensorial e estética se limita, no eixo do que não compreendemos, é aproximado do estranho, do imprestável… Então, o que não está no rol de nossos conceitos como aceito ou aceitável deixa de ser arte? Cito o Ralph Waldo Emerson: “A manifestação consciente do pensamento, por meio da fala ou da ação, com qualquer fim, é Arte… De sua primeira a sua última obra, a Arte é o uso voluntário do espírito e a combinação de coisas para servir a seu fim.” Então, nem toda obra é arte. Nem toda arte é merda. A arte é meio. Não é fim.

Catorze: Como é a relação do artista que faz performance com o público?

R. – Há na prática de cada artista, a pré-proposta e/ou abertura para a vivência una com seus entorno seja estético, sensório, humano. Por exemplo, há performances e performers que se propõe a uma intensa e desejada troca com os participantes e há outras em que é mais uma vivência do artista e se abre ao outro, aos olhos dos outros como mero observadores. Há também dentre as diversas variantes da performance aquelas que acontecem sem o ‘percebimento’ de outras pessoas, ou seja, a dita performance invisível… Ela acontece, se registra e se difunde posteriormente. Aliás, uma das características mais marcantes da Performance-Arte é a irreprodutibilidade de sua ação; pois se se executa a Performance em outro momento e contexto, ela passa a ser outra, mais uma, mesmo sendo uma variante da inicial. Há uma ilustração sobre essa questão, que gostaria de reproduzir: “Artista, obra, público são elementos estéticos da performance. O quarto elemento estético é o tempo. A performance artística se dá no tempo, sua efemeridade é condição. Os registros permanecerão registros, e, por permanecerem, estarão semi-mortos, ainda que capazes de leves ressonâncias. Os registros são apenas obscuro reflexo, eco ensurdecido de um prazer para sempre estancado.” (MARIA BEATRIZ DE MEDEIROS)

Catorze: E como é a relação inversa? O público assimila?

R. – Para cada arte, seu público e seu espaço. Para a Performance, enquanto hibridez, dependendo da proposta do artista e da performance, ela tem ou não a participação do público. Se o público assimila? Eis uma pergunta que se dirige ao público, não aos Performers… Mas, fica a dica do Exupéry: “O significado das coisas não está nas coisas em si, mas sim em nossa atitude com relação a elas.”

Catorze: É preciso assimilar ou apenas sentir?

R. – Vivenciar, absorver, sentir… É ao que se propõe em geral a Performance-Arte. Há uma frase que já não lembro mais quem a proferiu que diz algo que para mim representa um fato, uma verdade: “todos saímos transformados / ou transtornados / duma experiência coletiva”.

E para completar, uma citação do O.Wilde que adaptei à Performance: “Há duas maneiras de se odiar a Performance-Arte, odiando-a ou então amando-a com moderação.”

Catorze: A que a performance se propõe?

R. – A ser arte, a ser a expressão do artista e cada qual com suas proposições, humanas, estéticas, éticas, etc. A que se propõe a Pintura? A música? A dança? A escultura? A literatura? O Cinema? A fotografia? Toda e qualquer resposta possível a essas práticas artísticas e suas variáveis e matizes, será útil e verdade também como resposta ao que se propõe a Performance.

Catorze: Por fim, fale um pouco do teu trabalho como artista que faz performance.

R. – SER PEDRA É FÁCIL! O DIFÍCIL É SER PERFORMER!

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