sábado, 17 de outubro de 2009

Memorial do Grande Ponto

Celso da Silveira

Os bares do Grande Ponto
tenho os seus nomes de cor:
Botijinha, Dia-e-Noite,
Acácia Bar, Rio Grande,
Onde a cachaça de Ovídio
Dessendentava a goela
De Evaristo e Babuá.
Confeitarias - um par:
A Helvética e a Cisne;
Casa Vesúvio - bazar,
e adiante o Natal Clube,
Santa Cruz Futebol Clube
- os dois de primeiro andar.

Cafés Maia e São Luís,
Sorvete do Aracati,
Restaurante Dois-Amigos
com porta de vai-e-vem
e freqüência popular.
E Restaurante Acapulco,
local a que acorriam
Casais da sociedade
E rapazes bem trajados,
Todos lá fazendo hora
Para o baile do Aéro
- requinte/mor da cidade.

Numa esquina, a Alcazar
E na outra o Grande Ponto
- casa de jogos de azar -
um verdadeiro universo
de Tubiba à Mulamanca,
pro poeta fazer verso
como faz Milton Siqueira.

Lá, o Bolero servia
comidas de pratos quentes,
mas, já do lado de cá,
junto do Beco da Lama,
o Pérola vendia bifes
aos habitantes da noite
que voltavam dos bordéis
pra saciar outras fomes.

Lembrança de João Machado
Rutiquiano e Ercilo
(que foram ali quase Reis);
Sorveteria Cruzeiro
e do Salão Santo Antônio;
cigarreira O Zepelim,
que vendia bugigangas
e tinha o jornal/mural
onde "seu" Luiz Cortez
dava notícias do mundo
como que em primeira mão.
Juizes, advogados,
até desembargadores
e muitos aposentados,
recrutas e general
Leitão, Liliu do bilhar,
todo pessoal letrado
- são sombras na paisagem;
foi lá que estreou veado
um tal de Velocidade,
contraste de Tororomba.

Conversas de futebol
de torcedores e atletas,
cada um é melhor técnico
do América ou ABC,
Riachuelo e Atlético,
E o grito marcando gol
Está na boca de todos.

Carnaval na João Pessoa,
Deblechem vem de rei momo
ao lado de Zé Areia
e Djalma Maranhão;
se batalham de confete
e lança-perfume Rodo.
Papangus e colombinas
no toque da banda ao vivo
dançam ao som do "Zé Pereira"

Luís Tavares, de linho
LS-120
sapatos de duas cores,
bico fino de camurça,
ou couro de jacaré,
ditava a moda da praça
e ainda dava de graça
seu jeito de meninão.

Sorveteria Polar
(pianista Paulo Lyra)
onde se falava inglês
- "US Navy, my friend" -
de Aparício Meneses
ao engraxate da casa,
no tempo do americano.
O primeiro telefone
de serventia do povo
(nosso orelhão de outrora)
- "basta pagar e ligar" -
ficava numa cabine
toda vedada de vidro,
na antiga Casa Royal,
onde os segredos guardados
não coravam as namoradas.

É um espaço em aberto
à gente de toda parte;
convergência da cidade,
encontro de viajantes
e de onde as línguas feriam
moças vindas dos cinemas
Rex, Nordeste, Rio Grande,
Ou mesmo, quando mais cedo,
Retornavam das novenas.

Centro referencial
de política e cultura,
de oposição e governo;
a palavra ali falada
no palanque dos comícios
ganharam tal ressonância
que nos seus cantos ecoam,
não, grande ponto final
- leve som de antigamente -
reticência, ponto e vírgula,
mas, ocasionalmente,
exclamação, coisa e tal,
força lúdica, dominante
deste seu memorial.

05.05.83
Editora Clima - 1983

Nenhum comentário:

Postar um comentário