domingo, 18 de outubro de 2009

Tipos populares

Nei Leandro de Castro

Moacyr de Góes, quando saía em excursões pelos bares do Rio de Janeiro, avisava a Conceição que ia observar os tipos populares. Geralmente, Moacyr empreendia essas jornadas na companhia da grande figura de Hélio Vasconcelos, outro boêmio juramentado. Vez por outra, eu me incorporava ao grupo e via a manhã nascer no entra-e-sai pelos mil e um bares do Centro, da Lapa, do Leme, de Copacabana.

Hoje, a maioria dos boêmios de minha geração, amigos de décadas, se deita depois do Jornal Nacional, acorda às cinco da madrugada e leva uma vida de frei dominicano gripado. Com exceção de Alex Nascimento, todos já aposentaram o farrista, o notívago, o observador de tipos populares que havia neles. Alex, a honrosa exceção, tem uma conversa muito boa, cheia de brilho e safadezas – o problema são os dois cigarros e meio que ele fuma de dez em dez minutos.

Deixei de freqüentar a noite natalense, mas de vez em quando sou atraído pelos mistérios do Beco da Lama. O Beco tem muita coisa desagradável: sujeira, meladinhas cobradas a mais, donas de bar mais ferozes do que Dilma Pitbull Rousseff, travestis que se sentam no seu colo e ainda pedem dinheiro, travecos que olham para mim como se eu fosse um fenômeno. O bom é que, de vez em quando, a gente encontra uma turma boa de papo e de copo, figuras como Alex Gurgel, o múltiplo, como Fabinho, o homem que seduziu Nathália de Sousa, como a dramaturga Cláudia Magalhães, acompanhada do seu fiel escudeiro Cefas Carvalho.

Um sábado desses, surgiu no Bardallo’s – que serve a melhor omelete das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país – uma figura saída de páginas de ficção. Disse que se chamava Omar Salgado, tinha 48 anos e morava atualmente em Itaqui, Rio Grande do Sul. Nasceu em Mossoró, mas, aos 12 anos de idade, numa redação escolar, escreveu que gostava mais de Jararaca do que do prefeito Rodolfo Fernandes. Foi expulso da escola e seus pais sofreram uma perseguição tão feroz que tiveram de deixar o país onde chove balas. A família veio morar em Natal e passou muitas dificuldades até Omar completar 17 anos, quando encontrou a primeira mulher das dezenas que iriam sustentá-lo pela vida afora.

Omar, bonitão, contou detalhes sobre as mulheres que o sustentaram, sem esconder detalhes, mesmo os íntimos, os de cama. Confessou que a viúva gaúcha que o sustenta em Itaqui completou 68 anos, mas tem um corpinho de 65. Já foram à Europa, Ásia e Oceania, tudo por conta da bela herança que ela recebeu do falecido, um político corrupto. “Desculpem a redundância” – diz Omar Salgado, e bebe uma dose inteira do melhor uísque vendido no Bardallo’s.

O poeta Volonté, calado até então, disse: “Omar Salgado, Omar Salgado, o seu nome me lembra um poema de Fernando Pessoa.” Omar disse: “Tem razão, você é esperto.” E recitou: “Ó mar salgado, quanto do teu sal/ São lágrimas de Portugal.” Omar Salgado era pseudônimo. Seu verdadeiro nome era Ricarjul, composto por Ricardo e Júlia, pais de muito mau gosto, ele comenta.

Omar vê passar pela rua uma mulher de uns 60 anos, bem-vestida, cheia de jóias. Ele paga a conta de todos e sai atrás de mais uma fonte de boa remuneração.

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