quarta-feira, 23 de setembro de 2009

À margem, como epígrafe

"Além da névoa e da noite, o que existe?
Marize Castro


Aqui, sem saber-me eu.
Decifrada em sementes, antegozo o fruto maduro ante a iminência da queda, recorro aos meus delírios; repouso em minhas fugas.
Apago luzes, bato a porta, saio. Acendo faróis sem rumo. “Além da névoa e da noite, o que existe?” Indagava a poesia deixada sobre a cama, como se a exigir resposta quando da volta.
Serpenteio a cidade em busca do que fazer. Entro num shopping; aprecio vitrines que refletem desejos. O cartaz do cinema me atrai para uma fila de ingressos. Encontro uma amiga de outrora e tomamos rumo da praça de alimentação. Pedimos cerveja e logo estamos a gargalhar lembranças de tempos irrequietos, quando o futuro era vaga referência abstrata e distante.
Procuramos saber razões das marcas deixadas em nossas faces. São tantos os labirintos que mentimos a nós mesmas, escondendo passados de vivências desprezadas.
É forte o desejo da dança. Partimos, então, em direção ao abismo. Seremos serenos em busca de orvalhos. Seremos madrugadas.
Como chove fininho e o tempo esfriou, ela se deixa levar ao primeiro pedido.
Fico só em meus devaneios intérpretes de canções. Descubro que a alma é imensa e grande é a sensibilidade de quem se deixa seduzir por palavras grafadas em sentimentos.
Isso fica.
Fico eu também, porém, a descartar segundas intenções. Os sons hoje são mais agradáveis que as estripulias da noite. Prefiro pensar. Estar comigo mesma para tentar desvendar estradas percorridas em velocidades alucinadas.
Que fiz eu da vida? Sobrou-me a lágrima sobre a mesa tinta do vinho consumido.
Raiou o dia e eu não me dei conta de mim. Lembro a leitura deixada na cama e o verso que me ficou como epígrafe: todo rio tem sua margem.
Talvez seja eu a margem não alcançada da noite.


Neuza Margarida Nunes

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