terça-feira, 22 de setembro de 2009

Ai, meu Deus do Céu!

Leonardo Sodré

Foto: Cristina Monte
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Há duas semanas, um grupo de estudantes de fotografia foi assaltado na Pedra do Rosário, no Centro Histórico de Natal. A mídia deu um tremendo espaço para o caso e a maioria das máquinas fotográficas roubadas por três bandidos adolescentes foram recuperadas. Mesmo assim, num sábado, a Associação dos Fotógrafos do Rio Grande do Norte (Aphoto) e o Sindicato dos Jornalistas (Sindjorn) resolveram realizar um protesto pelas ruas do centro, que atraiu grande número de fotógrafos e simpatizantes. Depois, por inércia, a maioria foi atraída para o quente Bar de Nazaré, nas proximidades do Beco da Lama, para umas cervejas geladas.

A mesa era enorme, mas, na beirada que dá acesso ao bar, ficou um grupinho capitaneado pelo presidente da Aphoto, Alex Gurgel, que, em pleno meio dia, vestido de preto, suava tal qual um cortador de cana. Lá para as tantas, depois da primeira grade de cerveja, ele coçou o queixo e disse, olhando para o céu, que estava nublado:

- Eu tenho certeza que aqueles bandidos não atiraram na gente por causa de Deus...

E ficou olhando para o céu, enquanto alguém confundia o suor que descia nas proximidades do bigode com uma lágrima faceira e desinibida.

O poeta Plínio Sanderson olhou desconfiado, mas ficou calado esperando o restante do relato de Alex, que até então era um cristão “não praticante”.

Com a voz mais rouca do que o normal – atribui-se à emoção -, Alex continuou:

- Na hora do assalto, eu rezei muito. Muito mesmo! E com fé!

- E qual foi sua oração, infeliz? Você não sabe rezar! Disse Plínio Sanderson, absolutamente desconfiado do relato.

Aí, Alex colocou meia pálpebra nos olhos e, parecendo um santo, respondeu:

- Eu fiz uma oração poderosa...

- Pois repita! Disse o poeta ensandecido, cada vez menos crente.

- Eu clamei a Deus, dizendo: Ai, meu Deus do Céu! Ai, meu Deus do Céu! Ai, meu Deus do Céu! Ai, meu Deus do Céu! Ai, meu Deus do Céu! Ai, meu Deus do Céu! Ai, meu Deus do Céu! Ai, meu Deus do Céu! Ai, meu Deus do Céu! Umas cem vezes...

Todos os olhares da mesa estavam convergidos para Alex, que havia se levantado e colocado os braços para o alto com as mãos espalmadas, em êxtase.

- Nazareeeeeé, traga outro “montola" para que eu possa aguentar as loucuras que estou ouvindo! Disse o poeta com olhos arregalados e sem acreditar na fé que o presidente da Aphoto exalava.

O bar ficou dividido. Uns acreditavam que Alex havia finalmente encontrado o caminho da Igreja. Uma mulher, que tomava uma lapada de cana no balcão, declarou:

- Também, ele mora bem pertinho da Igreja do Galo... Um dia São Francisco ia entrar no coração dele...

- Esse imbecil está dizendo que fomos salvos por causa de uma reza repetitiva. Nós fomos salvos porque não reagimos e por causa do meu olhar de ódio para aqueles bandidos miseráveis!

Aí, Alex, bem sério, após tomar mais um copo de cerveja, disse baixinho, fazendo com que todos esticassem o pescoço para ouvir sua voz, cada vez mais rouca:

- Eu vi Jesus naquele momento...

Plínio somente não explodiu porque o pavio estava longo, o montola tinha sido servido com bastante gelo e a Coca-Cola era normal. Mesmo assim, perguntou, olhando fixamente para o rosto de Alex:

- E com quem Jesus se parece? Diga! Diga! Diga! - Bradou.

- Antes de dizer com quem Jesus se parece, quero informar a todos que vou me entregar a Ele completamente.

- Vai para a católica ou para os crentes? - Perguntou a magérrima garçonete de Nazaré, que ia passando e ouviu a conversa.

- Nem uma, nem outra. Lembre-se que eu sou um empreendedor. Já mandei Cleo comprar uma bíblia em Inglês porque também vou aproveitar a recepção da minha escola Pratical para fazer uns cultos três vezes por semana. Vai ser a Igreja da Revelação da Pedra, em homenagem ao aparecimento Dele, Jesus, naquele dia que poderia ter se transformado numa tragédia!

Uma das meninas assaltadas, que estava na mesa, perguntou:

- Espere... Bíblia, em Inglês?

- É, eu vou inovar e pregar tudo em Inglês. Antigamente as missas não eram em Latim?

- Mas ninguém vai entender nada... - Disse a assaltada, de forma insistente.

- Tem tanta música que o povo escuta em Inglês, não entende nada e adora... - Sorriu Alex, o pastor da Rua das Laranjeiras.

Aí, Plínio inquiriu novamente:

- Não fuja da pergunta! Com quem Jesus se parece?

Aí, Alex, bem sério, respondeu:

- Ele é todinho o artista plástico Franklin Serrão!

Plínio não agüentou, puxou as algemas que estava guardando para se atar ao Machadão no dia da implosão de Micarla, e disse, mais brabo do que a entrevista de Carlos Eduardo a Cefas Carvalho:

- Se você continuar com essas mentiras, eu vou me amarrar em Nazaré até você me mostrar Jesus! - Gritou.

Nesse momento, vem chegando o poeta Eduardo Alexandre. Vinha diferente, parecia que tinha visto alma. Sentou-se, pediu uma cerveja, e disse:

- Passei por uma experiência extraordinária. Meu automóvel não quis pegar de jeito nenhum. Estava parado defronte à Catedral Metropolitana. Então, eu que não tenho muita fé, mas gosto de novas experiências, olhei para dentro da igreja e disse a Jesus:

- Homem, dê uma mãozinha senão quando eu chegar ao Bar de Nazaré não vai ter mais nenhuma cerveja gelada. Pois bem, de repente, na primeira virada da chave, o carro pegou. E fez com a boca o barulho: "Vrummmm”.

Todos os olhares estavam fixos em Dunga:

- Depois, quando olhei para o beco lateral da igreja, que dá para o Instituto Histórico, eu vi Jesus...

- Assim não é possível! - Bradou Plínio – Agora diga, para ver quem é o mais mentiroso: com quem Jesus se parece?

- Bem... – Dunga coçou a barba por fazer – Eu achei Ele muito parecido com Franklin Serrão...

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