sábado, 26 de setembro de 2009

Cantões, Cocadas Grande Ponto Djalma Maranhão

Apresentação

Não poderíamos chegar ao coração da cidade sem antes traçarmos um perfil da História da cidade do Natal. Também não poderíamos situar o Grande Ponto sem falarmos da Ribeira e da própria Cidade Alta, onde ele está inserido.
Esses Cantões, Cocadas, Grande Ponto Djalma Maranhão não tem a pretensão de revelar todas as estórias, acontecências, tipos, fatos, mistérios do Grande Ponto. Seria um trabalho impossível.
Abrimos esta Antologia com um texto do nosso pai, José Alexandre Odilon Garcia, homenageado com seu nome dado ao Largo Boêmio da Ribeira, na rua Chile. De Zé Alexandre, como era conhecido, trazemos um texto inédito, que, durante anos, ele rebuscou, quando, nos anos sem turismo, buscava criar um Guia da Cidade do Natal.
O texto contextualiza-se para situar o leitor, de forma rápida, quanto à História da cidade. E readaptamos um outro texto seu, que abriu as suas “Acontecências e Tipos da Confeitaria Delícia”, de 1985, onde ele situa a Ribeira e a Cidade Alta nos idos de 40.
Trazidos esses textos de José Alexandre, trazemos, como forma de homenagem, uma abertura para este livro: o poema História da Cidade do Natal, de Deífilo Gurgel. Ele situa poeticamente, de uma maneira ingênua e gostosa, a Natal de todos os tempos.
Contar com a colaboração de todas essas almas que desfilam por essas páginas daqui em diante, nos dá uma dimensão de universo do que foi o Cantão do Grande Ponto, e foi a isso que quisemos chegar.
Cascudo conta-nos a exata História: um ponto comercial, o Café Grande Ponto, do português Custódio de Almeida, situado hoje onde está erguido o edifício Amaro Mesquita, no cruzamento da avenida Rio Branco com a rua João Pessoa. É a origem do nome do logradouro.
Conta-nos Cascudo, que Amaro Mesquita era um caixeirinho que ali mesmo varria calçadas e dizia de si para si: "Nesse lugar vai ser o meu sobrado" ou "eu farei aqui o meu sobrado". De balconista, Amaro tornou-se próspero comerciante e construiu o seu sobrado no lugar onde era o Café: é o Edifício Amaro Mesquita.
Manoel Procópio de Moura Jr. nos informa que, em 1845, o presidente da Província, Casimiro de Morais Sarmento, determinou a ampliação da atual rua João Pessoa, derrubando a mata existente até a rua Princesa Isabel.
E nos diz ainda Procópio: “após esta derrubada, a atual Princesa Isabel passou a chamar-se Rua dos Tocos, enquanto a parte ampliada da atual rua João Pessoa, passava a se chamar Rua Sarmento.”
Diz ele que, “anos depois, quando a Rua Sarmento já atingia a atual Av. Deodoro, recebeu, em 13 de fevereiro de 1888, a denominação Rua Visconde de Inhomerim (Francisco Sales Torres Homem).”
E arremata: “Este nome se conservou até o início do Século XX, quando passou a chamar-se Rua Coronel Pedro Soares, para, finalmente, já na década de 1930, chamar-se Rua João Pessoa.”
Odilon de Amorim Garcia nos revela que, ali, “durante a II Grande Guerra, começou a funcionar o “Serviço de Alto Falante”, de Luiz Romão, cujas caixas de som eram fixadas em um poste, exatamente na esquina da João Pessoa com a avenida Rio Branco, defronte ao “Café Grande Ponto”.
Nos diz, que “todos os dias, às 19 horas, o Serviço transmitia músicas, e, às 21 horas, retransmitia o noticiário da BBC de Londres.” E que “Os freqüentadores do Grande Ponto se deslocavam para aquela esquina para ouvir as últimas notícias sobre a guerra.”
Odilon nos conta uma estória do popular Zé Herôncio, no carnaval, “vestido de mulher, tendo na mão um pinico cheio de salsichas, ostensivamente, com caretas como de nojo, fazia que comia o verdadeiro conteúdo que geralmente existe num pinico.”
Marcos Maranhão, filho de Djalma Maranhão, poeta-prefeito que mereceu, a partir de projeto de lei do vereador Antônio Júnior da Silva, do PT, a homenagem de ter o seu nome ligado ao Grande Ponto, traça um perfil político, humano e de realizações do pai.
E vem um desfile de grandes estrelas com seus textos que, somados, dão um panorama do que foi e é o Grande Ponto para a cidade do Natal. Senão, vejamos o que eles dizem do Grande Ponto:
Para Ubirajara Macedo, “o Grande Ponto era uma festa.”
Odilon, dos vivos, talvez o mais velho, ensina que “nunca se deve mexer em coisa antiga”, e pondera, “mas, às vezes, é bom trazer de volta um passado que alegrou a nossa mocidade.”
Marcos Maranhão lembra que “as cidades antigas tinham seu lugar sagrado no centro, na Ágora em Esparta, na Acrópole em Atenas, no Capitólio em Roma.” Que, “Ali, os cidadãos se reuniam e faziam discussões sobre os assuntos mais importantes, divertidos e esportivos da cidade.”
“Um dos costumes mais interessantes de uma parte da população natalense das últimas décadas do século passado e primeiros anos do presente foi a instituição do Cantão, local onde se reuniam grupos de intelectuais, funcionários públicos graduados, políticos e comerciantes.” Cantões. “ Na Cidade Alta, eram bastante concorridos os seguintes Cantões: da Gameleira, o mais antigo e temido pela crítica sempre ferina, situado à Praça da Alegria, atual praça Padre João Maria”, conta-nos João Gothardo Dantas Emerenciano.
“Em sua residência, o Vigário Bartolomeu costumava receber os amigos, à tardinha, na calçada, à sombra da própria casa, segundo hábito daqueles tempos em Natal, cidade provinciana. Ali, eram dispostas cadeiras constituindo as tradicionais ‘rodas’ para as ‘prosas’, hoje denominadas ‘bate-papos’, as quais se prolongavam até certas horas da noite. Essas ‘prosas’ eram comuns nas calçadas das principais residências da cidade, ou à sombra de frondosas árvores existentes nas praças, destacando-se a do “Cantão da Matriz”, sob majestosa gameleira da Praça da Alegria,” rememora Antônio Fagundes.
Lauro Pinto lembra que, “antigamente, essas reuniões em Natal, como nos diz o historiador General Pessoa de Melo em seu livro ‘Natal de Ontem’, tinha o nome de - Cantões - cerca de cem anos atrás.”
Para Joanilo de Paula Rêgo, o Grande Ponto “é o território encantado onde vive a alma errante, boêmia e lírica, curiosa e loquaz, da gente natalense.” Joanilo é do Cantão dos Pastoradores da Estrela da Manhã, ainda na ativa, depois das 23:00 horas.
“O Grande Ponto era tão importante que tinha lugar de destaque no mapa do Brasil. É. (...) Grande Ponto dos “coronéis” da política, que enfeitavam as noites daquele verdadeiro campus universitário com seus ternos de linho branco irlandês 120”, nos garante José Maria Guilherme.
Em versos, Nei Leandro sapeca que

“o cafezinho ao lado
às vezes queimava a língua
de quem falava demais.”

Aos oito anos, Clara de Góes foi a escolhida para “Ver o padrinho, o prefeito, levar-lhe um par de meias. Levar os recados, as recomendações de todos, se lembrar, não esquecer, trazer de volta, aos seus, um gesto dele, habitual... Eram os idos de 64 e Djalma estava na Embaixada do Uruguai, no Rio. Ou partia ou, na rua, seria preso, já amargando a saudade e a tristeza que viriam, longe do Grande Ponto.
Em Itamaracá, e pelo resto do Brasil, depois vários outros países da América Latina, presos políticos amargavam o chicote do pau-de-arara, o cacete, os choques elétricos, as unhas arrancadas, o terror, o medo, o poder dos quartéis sob ordens da inteligência norte-americana, a intervir no mundo, ferindo a autodeterminação de povos, com medo do comunismo.
Luciano de Almeida faz fragmentos do Grande Ponto, e diz que “Com o Ato 5, soa o dobre de finados para toda a atividade política no Grande Ponto. Ponto final.” Helmut Cândido tem parecer semelhante: “O Grande Ponto morreu. Não vive mais. Perdeu-se no tempo.”
Graco Medeiros, “filho de velho decano dos comerciários do centro da cidade, chamado Luiz Cleodon de Medeiros”, jura que “(...) ‘fechou o tempo’ na Cidade Alta para ver a movimentação de soldados do exército, com roupas de campanha e um baita caminhão verde-oliva toldado, ocupar o passeio público para retirar a parafernália de guerra das vitrinas de “O Novo Continente”. Ele lembra que era, justamente, a noite de 24 de agosto de 1961, e que, no dia seguinte, “Dia do Soldado”, Jânio da Silva Quadros comunicaria sua renúncia a um país perplexo.”
Em cima do Novo Continente, o Natal Clube, Cantão de festas no passado e carteado no fim de festa.
Grande Ponto de tantas boas e más línguas, que revoltam o poeta ítalo-natalense Franco Jasielo, há décadas aqui arraigado, que torna-se catastrófico e ferino: “os bares e os poetas foram demolidos. A fofoca legítima fugiu para os jornais.”
J. Charlier Fernandes também faz poesia:

“Grande Ponto
Grande porto
orbe liberto do tempo:
sendo um pouco o teu retrato
(com a minha alma fechada)
eco de tuas vivências
(com o meu sossego calado)
por que assim avassalas
no teu chão de confidências?”

E poesia também faz Celso da Silveira:

“Centro referencial
de política e cultura,
de oposição e governo;
a palavra ali falada
no palanque dos comícios
ganharam tal ressonância
que nos seus cantos ecoam.”

“Ali, a democracia participativa criava raízes, pois a discussão era permanente sobre as grandes questões nacionais e da cidade”, quem nos diz, de pés no chão, é Moacyr de Góes, que nos lembra que essa prática só muito depois começou a ser usada no Brasil, pelo PT. Fala-nos do Fórum de Debates. Era o Cantão da Praça da Imprensa.
Era um ponto xaria, habitado por todos os canguleiros da velha Ribeira, que começava a perder encantos e comércio, prostíbulos, bares e almas que subiam a ladeira para a conversa diária e amena de fim de tarde, com mortais que surgiam do Tirol, Petrópolis, Alecrim, Quintas, de onde mais?
“Nesta ‘Universidade’ popular, reuniam-se intelectuais, esportistas, políticos, jornalistas, estudantes e um sem número de prisiacas. Era uma fonte inesgotável de comentários, boatos e muita conversa fiada que invadiam a nossa pequena Natal”, tese de Manoel Procópio Jr.
Casciano Vidal nos confessa que “assumindo o Grande Ponto e sua genial humanidade”, ele percebeu “coisas que os olhos curiosos do menino chegado de Mossoró e Alexandria nunca tinham visto.”
Falves Silva historia e analisa, e afirma que “era naquele local onde os expoentes daquela geração, a das cocadas, resolviam os problemas do mundo.” Era o Cantão das Cocadas.
Eugênio Neto ainda afirma que “a ‘Calçada do Café São Luiz’ é, hoje, para nós, seus freqüentadores, verdadeiro estado de espírito. Não se entende começar o dia sem uma chegada até lá. Outro cantão, gabado pelo padre José Luiz: “O Grande Ponto existe? Existe o Café São Luiz”!
O Grande Ponto, que, para Leonardo Sodré “já foi moderno, hoje tem história e melhor do que grande diante do crescimento da cidade, virou um ponto que foi grande fisicamente e se tornou maior ainda pela memória que guarda e preserva.”
Talvani Guedes da Fonseca afirma que “havia um pedaço do Grande Ponto que não dormia.” E Protásio Melo, como se a sentir a nossa sede, começou a ver que “não havia mais um lugar para sentar, conversar, beber ou comentar a vida alheia.” Para depois comemorar: “é quando aparecem os irmãos Rossini, Múcio e Aldemar Miranda, inaugurando a Confeitaria Cisne.” Aí surge o Cantão do Canto do Cisne.
Manoel Onofre Jr. registrou ser o Grande Ponto “sala de visitas, centro de convivência, ágora, universidade popular. Tudo isto e algo mais.” Cantão.
Para não fugir ao risco do vou, não vou citar, Inácio Magalhães Sena escorrega: “eu não devia mencionar nomes, por acabar esquecendo algum. Mas como esquecer”...
“O Grande Ponto não somente situa uma espécie de centro geográfico da capital, como assume o centro afetivo de encontro e relacionamento de um permanente potencial de sua população”, defende sociologicamente Raimundo Nunes.
Na visão geográfica de Franklin Serrão, “a história da construção deste nosso espaço geográfico afetivo se confunde com tradição e todos os elementos sociais que produzem modificações através do tempo.” Modificações essas que não querem calar na indagação de Cristina Tinôco: “a quem importam as feridas expostas do velho centro? Quem as cuidará?”
Filho do grande grandepontense Alexis Gurgel, Alexandro chega trazendo-nos poesia em prosa: “o badalar do sino da Igreja do Galo continua preciso e atento às mudanças da Cidade Alta.”
“Lembra-me o Montmartre de Paris, de minha juventude de estudante”, diz padre Agustin, enquanto Raquel Alves de Sousa, saudosa, faz poesia de pranto: “hoje, o Grande Ponto cresceu e o Cinema Rex é só memória.”
Grande Ponto do Cantão da Vesúvio, onde, “No meio da rua, um pierrot de branco parou em frente à porta. Tira do bolso um lança-perfume e ensopa um lenço que leva ao nariz. Logo seus braços pendem e o lenço se desprende. O pierrot hesita, vacila e começa a cair devagar. Flutua, como que paira, leve, descendo aos poucos até o chão.” Era Newton Navarro, em prosa/poesia de Cláudio Pinto Galvão.
Grande Ponto numa Natal que, para Petit da Virgens, era “uma grande Nova Iorque”, cidade que possuía um Grande Ponto que sediava uma Confeitaria Cisne, onde, “Numa dessas belas tardes festivas, reunidos ali em uma cervejada, Cascudo, Saturnino, Severino Nunes e eu, depois de simbolicamente ouvirmos “o canto do galo”, que ainda ressoava nas páginas da história, discutimos informalmente a possibilidade de mandarmos cunhar uma medalha de ouro com o número 13 encimado por um galo e que essa medalha servisse de insígnia aos iniciados” do Clube dos Inocentes, como lembra o professor Melquíades.
Todo esse saber, essa filosofia e esse testemunho são parte da cultura da cidade do Natal, que tem, no Grande Ponto, o seu coração safenado. Grande Ponto que foi o maior entre todos os cantões da cidade do Natal: a ágora, a Universidade do Grande Ponto, cujo reitor era, sem dúvidas, João Cláudio Machado.
É, ainda através desse Grande Ponto que a cidade respira, aspira, agiganta-se e não se retrai, porque o Grande Ponto é chão de luta e também história de amor a terra.

Tirol, 27 de novembro de 2002.

Eduardo Alexandre de Amorim Garcia
Mais:
Grande Ponto

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