quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Cigarra
Uma Revista dos bons tempos
Manoel Onofre Júnior
Uma revista dos bons tempos: "Cigarra". No meio de uns papéis velhos, na estante do avô, lá estava ela. Meio roída pelas traças e com esse cheiro característico de papel guardado há muito tempo. Valeu à pena passar uma vista pela antiga publicação. Tive por instantes a impressão de uma época já Iongínqua e bem diferente dos dias atuais.
"Cigarra" foi fundada em novembro de 1928, por Adherbal França (át-retor), Edgard Barbosa (secretário) e Ademar Medeiros (gerente).
O que primeiro admira na publicação é a sua qualidade gráfica. Bom papel, clichês nítidos, gravuras. Depois, o nível literário, que se pode considerar bom. Na "Cigarra" colaboravam Jorge Fernandes, Antônio Bento, Câmara Cascudo, Palmyra Wanderley, Othoniel Meneses, Esmeraldo Siqueira, Lauro Pinto. Todos, em início de carreira, tornaram-se, mais tarde, nomes famosos nas Ietras da província. Um deles, Antônio Bento, é hoje crítico de arte com renome nacional e mora no Rio. Outros colaboradores, aliás assíduos, como Octacílio Alecrym, Damasceno Bezerra e Virgílio Trindade caíram no esquecimento.
Adherbal França, o jovem diretor, escrevia crônicas, amenidades, sob pseudônimo Danilo. Já Edgard Barbosa inclinava-se para assuntos sisudos, em artigos - "A Atualidade de Judas", "A Inutilidade Irônica da Glória", etc. - nos quais se afirmava o estilista de "Três Ensaios".
Fotos em quantidade valorizam o visual da "Cigarra". Algumas são poses, soltas, sem ligação com o texto. Juvenal Lamartine, austero, sereno. O Senador José Augusto, de bigodinho. Dr. Varela Santiago, idem. Dom Marcolino Dantas, Exmº e Revmº Bispo Diocesano, importante que só. Em compensação muitos e variados retratos de moças bonitas: sorrisos, franjinhas, olhares de mormaço. Aqui, acolá, de mistura, uma vista, um cartão postal da cidade: o Palácio do Governo, o Teatro Carlos Gomes (atual Alberto Maranhão), o prédio da Irmandade dos Passos, coisas de orgulhar. Reportagens fotográficas ocupam páginas inteiras. Enfocam acontecimentos importantes na vida da cidade, como por exemplo, a inauguração do "Stadium Juvenal Lamartine" e "a brilhante victória do ABC em Fortaleza". Num flash, Arturo Ferrarin e Carlo dei Prete, célebres aviadores italianos, fazem pose ao lado do Comandante Djalma Petit, do Aero Clube. Noutra página flagrantes da festiva recepção aos dois pioneiros do ar, que haviam realizado o raid Roma-Natal.
Vivia-se então - vale frisar - num clima de "efervescência aviatória".
A propósito, vejamos o que diz "Cigarra":
"É de incontestável relevo a atuação que o Rio Grande do Norte vem desempenhando em favor da aviação no Brasil, atuação já hoje corporificada em atos e em empreendimentos de que nós podemos ufanar.
"Trazendo para o governo sólidas idéias acerca da importância do movimento aviatório no país e tornando-se um propulsor de iniciativas nesse terreno, o atual chefe do governo criou em torno de si esse ambiente de excepcional interesse por questões tão relevantes, que, podemos dizer, se estende, neste momento, por todo o Estado.
"Vários municípios já construíram seus campos, obedecendo a requisitos técnicos. Outros procuram levar a efeito com a possível urgência esse melhoramento. ( .... )
"Merece especial destaque, na campanha em favor da aviação que ora se faz entre nós, o papel do Aero-Club do Rio Grande do Norte, agremiação que reúne atualmente sob a sua bandeira e os seus ideais a elite da sociedade natalense, no que esta representa de melhor em esforço, devotamento à terra e espírito progressista."
Além destes fatos históricos, "Cigarra" documenta outros aspectos de então - coisas não registradas pela História, mas que têm importância para o conhecimento da terra e da gente.
A senhorita.Marilda Ó Grady era Miss Rio Grande do Norte, em 1928.
Já naquele tempo havia isto de miss. Aparece ela numa fotografia, descendo, "com o seu sorriso fascinante", do avião da Compagnie Aeropostale. Por sinal, inúmeros são os clichês estampando gente que desembarca de avião. Sinal de prestígio viajar de avião...
Governava o Estado Juvenal Lamartine. E a revista anunciava os cigarros "Lamartine", "os melhores porque são elegantes e de confecção aprimorada."
"A formosa praia de Areia Preta tem ocasiões em que é o lugar mais sedutor da cidade". Lá está em preto e branco a praia, servindo de cenário a umas banhistas com maiô quase até aos joelhos.
"Paris em Natal", uma das lojas chiques, acabava de receber "as últimas novidades em voiles suíssos lisos e estampados, crepes de seda radium e georgette."
A Alfaiataria Brasil, de Pelino de Matlos, oferecia casemiras estrangeiras e nacionais. Sapatos?: - Fox, "reconhecido até nas regiões polares como o melhor calçado do mundo."
Havia três cinemas - Polytheama, Royal e Carlos Gomes (cine-teatro) - naquela Natal de 35 mil habitantes. Passavam fitas sensacionais: "O Calouro", em que aparece a figura universalmente aplaudida de Harold Lloyd"; "Escravos do Volga - (classe insuperável) por Maria Maris"; "Polyana - super da United, com a encantadora e insuperável estrela Mary Pickford"; "A Mulher Enigma, pela estrela brasileira Lia Terá"; "Espadas e Corações - da Metro, com Joan Crawford e Tom Mac Coy"; outros sucessos.
"Em Natal havia um verdadeiro desânimo. As fitas eram comédias insípidas, aventuras batidas, dramas líricos insuportáveis. Houve, afinal, uma reação. E os efeitos estão se vendo."
De tudo que há na "Cigarra", destacam-se, pelo seu valor artístico, os desenhos de Erasmo Xavier, ilustrando textos e capas. Erasmo, um potiguar residente no Rio, "tem sido um dedicado e excelente amigo desta revista. Os seus desenhos, dados com desinteresse e expontaneidade, têm trazido para CIGARRA uma feição que ela tanto exige para o seu êxito."
Reproduzimos, a seguir, um cartum - dos primeiros na história da imprensa norte-riograndense - e uma ilustração de autoria do "jovem pintor modernista".
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